Último dia poderá redimir Gramado

Prêmios do festival de cinema saem neste sábado e há muita expectativa para que o filme redentor apareça. Letícia Spiller não sustenta A Paixão de Jacobina, de Fábio Barreto

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Por Agencia Estado
Atualização:

Havia a expectativa de que a programação de hoje do 30.º Festival de Gramado redimisse o evento da péssima quinta-feira. Hoje devem ser projetados, no fim da tarde e à noite, o documentário Edifício Master e a ficção brasileira Separações. O primeiro é um filme de Eduardo Coutinho. O segundo é de Domingos de Oliveira. Ambos investem na discussão de problemas afetivos e familiares de personagens de uma classe média intelectualizada. Terminam fazendo uma discussão mais ampla. Na programação de hoje, até o filme latino era o mais atraente da competição: La Perdición de los Hombres, do mexicano Arturo Ripstein, o autor que, tendo incorporado o digital aos seus procedimentos dramatúrgicos, conseguiu transformá-lo numa experiência estética e não apenas numa pirueta técnica. Isso é raro. A quinta-feira, em compensação, foi um desastre. Dois longas brasileiros, um em competição, Durval Discos, de Anna Muylaert, e outro fora de concurso, A Paixão de Jacobina, de Fábio Barreto, precedidos de três curtas, O Tempo dos Objetos, O Limpador de Chaminés e O Príncipe do Rio. Não há muito o que dizer sobre os curtas, ou melhor, é bom (para eles) que se fale pouco sobre os curtas, embora o segundo, uma animação, e o terceiro, numa linha didática e ecológica, comportem um interesse mínimo para não decepcionar completamente. Já as ficções não têm perdão. Na melhor cena de Durval Discos, a casa de Etty Fraser foi invadida por uma seqüestradora. Ali dentro foi cometido um assassinato involuntário e daqui a pouco esse cenário vai ser invadido por um cavalo, numa expressão do absurdo que talvez deva mais a Beckett do que a Kafka (mas é bom deixar os dois autores fora disso). Na tal cena, Etty desliga a TV abruptamente e o filho pergunta por quê. Ela responde que a televisão só mostra tragédias. Curiosamente, há outro porquê no desfecho de A Paixão de Jacobina, quando uma personagem se pergunta os motivos de toda aquela violência. Jacobina, que se baseia do romance Videiras de Cristal, de Luiz Antônio Assis Brasil, não se preocupa em iluminar o episódio que entrou para a história como o ´Canudos do Sul´, quando uma colona, Jacobina Mentz Maurer, liderou uma seita religiosa que desafiou o império e foi massacrado, a ferro e fogo, num banho de sangue. A revolta dos Muckers já deu origem a um filme rigoroso e telúrico de Jorge Bodansky. Marlise Saueressig criava a personagem agora recriada por Leticia Spiller e Marlise o fazia tão bem que ganhou o Kikito de melhor atriz. As falhas de A Paixão de Jacobina, de qualquer maneira, não podem ser creditadas à pobre Letícia, que se esforça, sem êxito, para dar alguma sustentação dramática a uma dramaturgia a rigor inexistente. O filme é um novelão, mais SBT do que Globo (embora o elenco seja global), com excesso de música. Há sempre um coro de anjos e uma explosão de luz para tentar expressar os transes de Jacobina, a chamada Cristo-mulher. O problema de Durval Discos é de outra ordem. O filme vai do nada a lugar nenhum e nunca fica perfeitamente claro por que a diretora quis contar essa história ou o que queria dizer com ela. A ação se passa em 1995 e Durval possui uma loja de discos. Só vende vinis, embora o mundo todo já tenha ingressado na era do CD. Durval é um resistente, um anacrônico. E tem aquela mãe completamente doida interpretada por Etty Fraser. Pode-se discutir o estilo de interpretação de Etty, mas ela é forte concorrente ao Kikito de atriz. Na história, Durval convence a mãe de que precisam de uma doméstica. Entra em cena Letícia Sabatella, uma seqüestradora que apenas quer usar o refúgio da casa para esconder a menina que seqüestrou. A garota é um amor e, logo em seguida, a mãe de Durval está completamente escravizada pelos encantos dela. Chapa-branca - Face aos desastres da programação noturna de quinta-feira, a tarde tende a ser supervalorizada e, de regular a boa, passa a ser ótima. Foram exibidos dois documentários: Paulo Thiago retirou da competição seu Poeta de Sete Faces, sobre Carlos Drummond de Andrade, que foi seguido por Onde a Terra Acaba, de Sérgio Machado, sobre Mário Peixoto, o autor do mítico Limite. A rigor, ambos os filmes possuem o mesmo defeito: são hagiográficos, exagerando no respeito aos personagens focalizados. Poeta termina de forma genial, com Paulo Autran recitando um poema com aquela classe que só ele sabe (ou possui). Um pouco antes, Adélia Prado dá um depoimento over sobre Drummond. Mais atriz do que Fernanda Montenegro, que já leu seus poemas num espetáculo teatral, Adélia cria um estereótipo da figura do poeta, no qual Thiago embarca. O que ele mostra é bom, mas poderia ser melhor. Thiago insiste no Drummond burocrata, o homem comum. Poderia ter-se aprofundado mostrando o Drummond mais gauche, o que escreveu os poemas eróticos e tinha uma amante. O excesso de respeito equivale a falta de ousadia. Ninguém gostaria de ver um documentário desrespeitoso sobre Drummond ou Peixoto, mas por que não ousar mais? O filme de Sérgio Machado até consegue ser bonito, mas é um documentário chapa-branca.

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