Ugo Giorgetti finaliza seu "Príncipe"

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Por Agencia Estado
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Primeira cena. Gustavo, de volta a São Paulo depois de anos fora do País, pergunta ao motorista de táxi assim que o carro entra em uma rua na Vila Madalena: ?Você tem certeza que essa é a Mourato Coelho?? A perplexidade por não reconhecer mais sua cidade o acompanhará ao longo de O Príncipe, o quinto longa de Ugo Giorgetti, que está sendo rodado neste mês e tem estréia prevista para o fim do ano. Tal como Gustavo, um intelectual de meia-idade vivido pelo ator Eduardo Tornaghi, Giorgetti observa a cidade e quase não encontra mais pontos de referência nela. O tema do filme saiu justamente desse desassossego diante da degradação. ?Provavelmente O Príncipe surgiu com meu desconforto em relação à cidade?, diz, pouco antes de começar a filmar na noite da quarta-feira na quadra da Escola de Samba Unidos do Peruche. Filme de retorno - O roteiro foi concluído no início de 1999, quando o projeto foi aprovado pelo Ministério da Cultura a ao longo do qual Giorgetti se enredou pela malha burocrática para captar recursos. No ano passado, foi interrompido para a produção do documentário Uma Outra Cidade, exibido pela TV Cultura, no qual mapeia São Paulo e conta a história sobre os anos de formação da geração de poetas dos anos 60. O Príncipe, de certa forma, retoma o diálogo com aquela geração ao retratá-la 30 anos mais tarde. ?Hoje, suspeito que o filme tenha se tornado um pequeno documentário sobre como estão algumas pessoas que eram algumas promessas nos anos 60, e quase todo mundo se achava uma promessa naqueles anos?, declara o diretor, formado em filosofia pela USP na década de 60. É um filme de retorno, nas palavras do diretor. Gustavo, que celebra outro retorno, o de Eduardo Tornaghi às telas depois de 15 anos, volta para casa para ajudar um sobrinho afastado do emprego. Vaga pela cidade como um alienígena em outro planeta. Gustavo, o personagem de Tornaghi, reencontra antigos colegas de faculdade. Como Marino (Ewerton de Castro), organizador de eventos culturais que enche os bolsos e vive na noite. Giorgetti o utiliza para aludir ao título do filme. Num diálogo com Gustavo, Marino diz que leu a tese dele sobre O Príncipe, clássico de Maquiavel (famoso pela frase ?os fins justificam os meios?) e propõe ao amigo que façam dinheiro vendendo-a. O filme é uma crítica aos intermediários da cultura brasileira? ?Sem dúvida?, responde Ugo Giorgetti. ?Marino é um cara perspicaz que sabe muito bem para onde os ventos estão soprando. Ele passa o tempo todo em comitês onde se tramam os patrocínios?. Outro personagem maquiavélico é Maria Cristina, ex-musa da faculdade de filosofia da Maria Antônia, interpretada por Bruna Lombardi. Ela trabalha em um grande grupo econômico onde é responsável por projetos especiais e eventos culturais. ?Ela é lembrada como o melhor par de pernas socialistas da Maria Antônia e hoje é a dona do dinheiro, uma mulher poderosa?, explica Giorgetti. Prozac gigante - A seqüência filmada no Peruche mostra o reencontro de Gustavo com outro companheiro de geração, agora um psicanalista famoso vivido pelo ator Luiz Guilherme, que será homenageado no desfile de carnaval. ?É claro que a situação é muito absurda?, diz o diretor, apontando para um imenso busto do personagem colocado em um carro alegórico ao lado de um grande vidro de Prozac. As promessas da geração de 60 ficaram pelo caminho transformando todos em intelectuais cínicos? Giorgetti faz uma pausa. ?Sim, todos se tornaram. Muitas coisas em termos genéricos não se cumpriram. Não conseguimos, por exemplo, melhorar a sociedade. Mas alguns tornaram-se cafajestes.? Seria uma alusão a alguns intelectuais brilhantes da USP que chegaram ao poder? ?Pode ser?, responde e dá mais uma pista: ?Há uma brincadeira meio séria do personagem do Ewerton quando ele diz que essa história de apagão é invenção da imprensa. De certa forma, ele é o grande representante do PSDB, do tipo ?somos felizes e vamos tomar uma saideira?.? O Príncipe deve ser o seu filme mais crítico, quase um acerto de contas com o passado. Não só com a geração do cineasta, mas à cidade onde nasceu e mora. Cidade sobre a qual arranca palavras com dificuldade para explicar: ?Nem sei o que falar de São Paulo. Sempre pior. Não classificaria nem como cidade, mas um grande aglomerado de pessoas onde não há centro. Esta cidade explodiu e os pedaços estão levitando por aí.? No dinheiro, amador - Giorgetti retrata São Paulo desde que começou a filmar. Primeiro em curtas. Dirigiu um sobre a degradação dos Campos Elísios, outro sobre a ameaça de destruição do Edifício Martinelli e dois sobre a Rua São Bento e a Praça da Sé. Depois vieram os longas, Quebrando a Cara,Jogo Duro, depois os consagradores, Festa, Sábado e Boleiros - Uma História de Futebol. Todos realizados com ?espírito amador na melhor acepção do termo?. Diz que trabalha com os recursos que tem nas mãos. No caso de O Príncipe, com metade do orçamento aprovado pelo Ministério da Cultura, de R$ 2,8 milhões. Conseguiu captar metade disso e reuniu a equipe. Quase todos são colegas de publicidade, profissão de Giorgetti há 30 anos. ?Eu falo com eles: nós não vamos morrer numa aventura de dois meses, que é quanto duram as filmagens. E todos largam por esse período suas profissões para ganhar muito menos aqui. Por isso meus filmes têm um sentido de amador, no grande sentido da palavra?.

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