Tran Anh Hung mostra seu filme mais maduro

Em As Luzes de um Verão, que estréia nesta sexta, o cineasta vietnamita de O Cheiro do Papaia Verde volta-se à fragilidade das impressões humanas

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Por Agencia Estado
Atualização:

Nada mais difícil do que localizar o diretor Tran Anh Hung. Ele mora em Paris, mas, de repente, pode estar no Vietnã. É justamente onde está, neste momento. É de lá que manda um e-mail simpático sobre a estréia de As Luzes de um Verão nos cinemas brasileiros. O filme entra em cartaz no Rio e em São Paulo. Tran confirma o que já havia dito pessoalmente ao repórter, no Festival de Cannes do ano passado. Considera As Luzes de um Verão seu filme mais maduro. Não representa pouca coisa. Na estréia, com O Cheiro do Papaia Verde, ele recebeu o prêmio Caméra d´Or, para diretor estreante, também em Cannes. E com Cyclo, que no Brasil se chamou O Ciclista, recebeu uma recompensa ainda mais elevada - o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Em Cannes, no ano passado, ele já havia dito que não se aborrecera por As Luzes de um Verão não participar da mostra competitiva. Disse que ainda era jovem, tinha muito tempo para conquistar a sua Palma de Ouro. É jovem. Tem cara de garoto, mas isso não o impede de assinar um filme de grande maturidade e beleza. Tran considera As Luzes de um Verão seu filme mais confuciano. A milenar sabedoria chinesa foi destilada por meio das escrituras confucianas, dos seus cantares, que Ezra Pound traduziu em inglês e Joaquim Angélico Guerra recriou em português. Na China de Mao, Confúcio foi renegado. Identificavam-no com a decadência. Tran lembra a principal virtude confuciana - o jen, que não é outra coisa senão o amor pelos outros, que só pode ser conhecido quando experimentado diretamente, sem o desejo, o interesse ou o medo de ficar sozinho. Tran ainda destaca o conceito confuciano da benevolência, baseado na fragilidade das impressões humanas e na grandeza da união entre os homens. Um homem que acredita nesses conceitos só pode ser um humanista e um poeta. Tran é um poeta e um pintor do cinema. Um impressionista da tela. Usa sua paleta de cores para pintar, com traços um tanto imprecisos, seu comentário sobre diferentes aspectos da relação do casal contemporâneo. E embala suas cenas na música de Lou Reed, por exemplo. Interessa-lhe menos a letra que o clima. E quanto ao "impreciso", é preciso colocá-lo assim, entre aspas. Um filme como As Luzes de um Verão pode causar estranhamento e até incômodo para quem só acredita no cinema narrativo. A história deste filme é tênue. É mais um conjunto de cenas, muitas delas repetitivas, que vão se acumulando para produzir determinados efeitos no espectador. Começa com o despertar de um rapaz e uma moça. São irmãos e, ao longo de todo o filme, o perfume do incesto vai se imiscuir docemente na relação dos dois, sem nunca se concretizar. A irmã, interpretada pela mulher do diretor, Yen-Khe Tran Nu, fala o tempo todo que eles formam um casal, que os outros pensam que são marido e mulher e que ela só vai se casar se encontrar um homem como o irmão. Ele reage, tenta estabelecer a distância entre ambos. E tanto o dito quanto o não dito vem por meio dessas cenas de despertar, quando eles acordam repetindo gestos banais. A ginástica, o arrumar a cama, a cerimônia do chá. Há o casal de irmãos e as três irmãs, que vão tecendo a trama, imprecisa, como já se disse, deste filme belo e sensual. Tran não quis fazer o seu Chekhov, mas as irmãs estão sempre em cena. A solteira, que sonha encontrar um homem como o irmão; a do meio, casada com um escritor e que, lá pelas tantas, suspeita da infidelidade do marido; e a mais velha, que tem certeza da infidelidade, pois ele realmente tem outra. Histórias de traição, de quase traição, de aspirações. Em O Cheiro do Papaia Verde, Tran já havia feito a ponte entre comida e sexo, conjugando as várias possibilidades do verbo comer. Aqui, as irmãs preparam o jantar em homenagem à mãe morta. E, enquanto preparam os alimentos, fazem ligeiros comentários sobre sexo - o do homem ficaria bom com determinado tempero, por sua consistência e sabor. Tran conta que As Luzes de um Verão começou a nascer num intervalo das filmagens de O Ciclista, quando ele abandonou o set, em Ho Chi Minh, ex-Saigon, para ir a Hanói. Descobriu uma cidade doce, fascinante e misteriosa, que lhe pareceu perfeita para falar de amor, focalizando problemas dos casais no novo milênio. As irmãs idealizam o que deva ser a vida de casada, a partir do exemplo de seus pais. O filme flui, delicado e intimista, porque Tran, fiel à sua cultura, o inscreve no tempo oriental, buscando o que já foi chamado de "paz imóvel". Ele mesmo disse: quis reproduzir uma experiência de sua infância. O imobilismo da sesta trazia a paz, mas também a inquietação e até a angústia. As Luzes de um Verão trabalha esses elementos. Abra-se para o diferente, para essa outra cultura e desfrute as maravilhas que o filme que estréia hoje oferece. As Luzes de um Verão (À La Verticale de L´Été). Drama. Direção de Tran Anh Hung. Vietnã-França/2000. Duração: 112 minutos. 12 anos.

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