PUBLICIDADE

Tragédia familiar guia novo filme de Nanni Moretti

Presente nos filmes de Nanni Moretti, a morte ronda ‘Tre Piani’, que mostra luta do diretor para não perder a fé na humanidade

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

No edifício que forma o cinema de Nanni Moretti, a morte tem se feito anunciar. Foi assim em O Quarto do Filho, que lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes, em Mia Madre. A morte volta nas primeiras cenas de Tre Piani, já em cartaz. O filme abre-se com o plano de um prédio. Uma mulher sai carregando uma mala. É uma grávida, está sozinha, a bolsa rompeu-se. Ela espera o táxi. Entra no quadro, na rua, um carro ziguezagueante. Provoca um acidente mortal. Derruba o muro, entra em uma casa, mas, antes disso, atropela e mata uma mulher na rua – outra, que não a grávida.  Todas essas histórias e personagens vão se cruzar na narrativa. Poderiam ser andares, três andares, todos vizinhos. O juiz inflexível e a mulher advogada, pais do jovem irresponsável que provoca o acidente por estar bêbado. A grávida cujo marido está trabalhando longe de casa. Riccardo Scamarcio e a mulher que vivem pedindo ajuda aos vizinhos de andar, um casal de velhos. Ocorre um incidente com a filha deles. Ela teria sofrido abuso por parte do idoso? A dúvida atormenta o pai. Três famílias divididas, suas escolhas que acirram as divisões. 

Cena do filme de Nanni Moretti, 'Tre Piani', em que famílias são divididas Foto: Imovision

Tre Piani integrou a seleção oficial do Festival de Cannes do ano passado. Não levou nada do júri presidido por Spike Lee e integrado por Kleber Mendonça Filho, que preferiu premiar os estranhos prazeres da francesa Julia Ducournau, em Titane.  A imprensa de língua inglesa também bateu pesado em Moretti. Novelão, melodrama, pequenos dramas burgueses. Em 2012, como presidente do júri, o italiano premiou Amor, de Michael Haneke. O casal de idosos daquele filme não deixa de nutrir o de Tre Piani. Mas algo, realmente, vem mudando no cinema de Moretti, e isso faz tempo. Na Cahiers du Cinéma de novembro, Charlotte Garson observa que o tom vem se agravando nos filmes. 

Talvez seja a maturidade da idade – está com 68 anos. Embora precoce, Tre Piani dá, por vezes, a impressão de ser um filme-testamento. Moretti é crítico da humanidade, mas não quer perder a esperança – a confiança? – no humano.  Moretti cria um mundo convulsionado. Busca a compaixão. O tango dançado na rua é seu definitivo signo de esperança.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.