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Trabalho de luto no reencontro com País marca drama pessoal de 'Deslembro'

Filme de Flávia Castro se propõe discutir questões em termos mais afetivos do que intelectuais.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O que é a memória? O que significa lembrar, em especial de fatos e tempos traumáticos? Deslembro, de Flávia Castro, se propõe discutir essas questões em termos mais afetivos do que intelectuais. É o primeiro filme de ficção de Flávia, conhecida por seu documentário Diário de uma Busca. Esse também se dava no âmbito da memória. 

O que temos aqui, como pano de fundo, é o período traumático da ditadura militar brasileira. Pessoas foram mortas e outras “desaparecidas”. Outras foram torturadas e muitas foram viver no exterior. É o caso da família de Joana (Jeanne Boudier), adolescente que vive na França. O pai é um desaparecido político. A mãe (Sara Antunes) casou-se de novo com um ativista chileno, membro do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionária). Com a Anistia, a família resolve mudar-se para o Brasil. A adolescente preferia continuar na França. Mas segue a mãe, os irmãos e o padrasto. 

O filme é, então, o reencontro com o Brasil, país que ainda vive sob ditadura Foto: Imovision/Trombone Comunica

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O filme é, então, o reencontro com o Brasil, país que ainda vive sob ditadura, mas já respira ares de uma abertura democrática sem prazo para ser concluída. Adolescentes têm pressa. Joana reencontra-se com um país um tanto estranho, arruma um namoradinho, curte a música brasileira e a praia, mas não consegue se livrar de seus fantasmas pessoais. É filha de um homem assassinado pela ditadura em circunstâncias ainda não esclarecidas – “ E se ele ainda estiver vivo?”, pergunta à mãe, que se defende com evasivas.  A única que responde aos anseios da menina é sua avó paterna, magnificamente interpretada por Eliane Giardini. É a avó quem mostra à menina os recortes de jornais da época e é também quem fala de toda uma luta para descobrir o paradeiro do filho, ou, pelo menos, do seu corpo. Ensina que toda essa luta não foi em vão porque, embora não tenha chegado a qualquer conclusão, suas investigações puderam ajudar a outras famílias de desaparecidos.

De certa forma, Deslembro é também um filme de busca, assim como o documentário inaugural de Flávia. Desta vez, usando os recursos da ficção, a diretora reflete sobre a necessidade de saber, que permite a superação de traumas e a possibilidade de seguir adiante. 

Passa-se assim com as ditaduras. Elas produzem uma espécie de violenta descontinuidade histórica, uma cicatriz que demora a ser fechada. As pessoas diretamente atingidas (de forma indireta todas o são) buscam, com toda justiça, um caminho para refazer suas vidas. Precisam de um corpo para fazer o luto. De uma história completa para poderem chorar e seguir vivendo. Mesmo esses confortos mais elementares lhes são negados. Na figura de Joana, Deslembro é o trabalho da História tentando seguir seu curso após o trauma. 

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