Tornaghi é o "príncipe" de Giorgetti

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Por Agencia Estado
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Ele teve tudo aquilo com que a maioria dos homens sonha: beleza, fama, dinheiro, mulheres. Mas, como personagem de um filme de Michelangelo Antonioni ou Walter Hugo Khouri, Eduardo Tornaghi não encontrava paz interior, nem satisfação, nestes excessos que fariam a delícia de tantos. Astro da Globo (A Moreninha, Sinhôzinha Flô, Dancing Days, A Gata Comeu), um dia ele jogou tudo para o alto e foi fazer o que queria - ajudar a construir a cidadania brasileira, trabalhando com meninos de rua e moradores de morro. Perdeu o dinheiro e ganhou a paz. Tornaghi diz essas coisas sem exibicionismo algum. O homem que já foi considerado o mais bonito do Brasil exibe, nos sulcos do rosto, a marca da experiência. Tornaghi é o príncipe de Ugo Giorgetti. Interpreta o papel-título do filme que o diretor de Festa, Sábado e Boleiros termina de rodar esta semana em São Paulo, O Príncipe. A reportagem foi assistir à filmagem no Teatro Alfa. Tornaghi estava no set, mas não filmava naquela noite. A cena era com Bruna Lombardi e ela estava linda, como sempre. Tornaghi a tudo assistia, de longe. Ele sempre teve este lado um pouco voyeur. Já disse que observar as pessoas, quando estão distraídas, é um exercício fascinante, porque é aí que elas se revelam como são, sem máscaras. Dois dias depois, à tarde, Tornaghi recebeu a reportagem na sede da produtora de Giorgetti, na Vila Beatriz. Conversou mais uma hora, para explicar o porquê de suas escolhas. Tornaghi nasceu no Rio, há 50 anos. Sempre circulou pelo Leme, por Copacabana. A família, de formação católica. Sua primeira militância foi no catolicismo, ele lembra, organizando quermesses para ajudar as pessoas do morro. Um dia perguntou ao pai por que a Igreja, sendo a casa de Deus, estava fechada para os pobres e os marginais, que dormiam do lado de fora. Virou ateu e tornou-se comunista, nos conturbados anos 60. Embora tenha sido consagrado na TV, que projetou sua bela estampa para o Brasil inteiro, começou no teatro. Fez teatro infantil, amador na praça, até chegar ao teatro profissional. Mas foi convencido - pela família, os amigos - que aquilo era uma aventura de adolescente e ele precisava tomar um rumo na vida. Foi fazer psicologia, largou a interpretação, porque achava que não ficava bem o paciente procurar um psicólogo e encontrar um personagem público. Recuperou-o, para a arte, um telefonema de Fernanda Montenegro. A grande Fernanda precisava de um ator jovem e bonito para a peça A Mulher de Todos Nós. Lembrou-se de Tornaghi, que estava, na época, fora de circulação. Ele conta que ali, conversando com ela, em não mais de dez segundos, quando Fernanda perguntou - sim ou não? -, teve o insight que o fez largar a psicologia e voltar à representação. Largar entre aspas porque ele acha que a formação em psicologia, que o fez clinicar na Pinel, exerceu e ainda exerce forte influência em sua vida. Para quem quer entender o outro, ajudar a construir uma sociedade mais justa e mais humana, a psicologia é uma ferramenta. Útil e necessária. Laboratórios de teatro - Foi a psicologia, também, que o colocou no rumo que queria, para exercitar a cidadania. Integrava grupos de estudos sobre Reich e Jung, dos quais participavam pessoas ligadas à umbanda, à Igreja. Sincretismo cultural, religioso. Os seminários resultaram em laboratórios de teatro. Tornaghi começou a receber convites para fazer esses laboratórios em diferentes pontos do Brasil. Lembra que o primeiro foi em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Era organizado por estudantes que o sustentavam durante a realização do evento, mas não pagavam remuneração alguma. Foi assim em todos os outros lugares. Boa parte do dinheiro que ganhou na TV e havia reunido numa bolada ao vender carro, apartamento luxuoso, tudo o que havia adquirido como astro, foi consumido no Teatro do Bixiga, em reformas e montagens. Um dia, o teatro precisava de uma reforma, um conserto no telhado. Tornaghi, como fazia sempre, ligou para o irmão, que administrava seus bens. "Acabou, Eduardo, não tem mais dinheiro", foi a resposta. Começou aí uma vida mais austera, difícil mesmo. Tornaghi ficou doente. Precisou da solidariedade, não de estranhos, como a Blanche DuBois de Um Bonde Chamado Desejo, a peça famosa de Tennessee Williams, mas dos amigos, que nunca deixaram de ampará-lo e de respeitar suas escolhas. Hoje ele continua com os cursos de teatro, principalmente no Morro Santa Marta, no Rio. E foi um dos criadores do movimento de organização nacional dos meninos de rua. A idéia talvez seja menos formar atores do que despertar coisas e sentimentos adormecidos nas pessoas. Tudo isso é maravilhoso, mas houve momentos em que, fazendo essas coisas nas quais acreditava, Tornaghi não se sentia bem. Ele conta uma experiência radical. Estava no aeroporto, indo para Brasília, para participar de um encontro de meninos de rua. Havia uma gravação no tal aeroporto. Lá estava uma equipe de TV, cercando atores que haviam sido colegas de Tornaghi. Ele experimentou um sentimento de vergonha, não era mais um deles, chique, famoso. "Eu me senti escória; foi a minha síndrome de abstinência", define. Teve até suor frio. Acha graça, contando. A vida deu-lhe lições de humildade. Ele pensava que ia mudar o Brasil, o mundo, criar o melhor projeto cultural. Começou a duvidar de si mesmo. Hoje está mais tranqüilo. Sabe que está colocando sua pedra na construção do edifício desse mundo mais humano, com o qual nunca deixou de sonhar. É feliz com a mulher, Selma. Com a filha, Carolina. Exibe as fotos, orgulhoso. Mora bem, num apartamento de frente para o mar, no Rio, que herdou de um irmão. "Ele me deixou o apartamento por acreditar na minha luta, para me ajudar a levá-la." Diz que, desta maneira, voltou a ter teto, porque houve uma época em que ficava na casa de amigos, sem ter onde morar. Não foi a primeira escolha de Giorgetti para fazer O Príncipe. O diretor estava tendo problemas para montar o elenco. Queria um ator que não estivesse na mídia para fazer o homem que volta para o Brasil, após longa ausência, e encontra o País e os amigos mudados. Eles aderiram ao projeto neoliberal, à nova sociedade globalizada, traíram, no filme, os sonhos da juventude. É o comentário do diretor sobre o Brasil atual. Alguém, que trabalhou com Tornaghi na Band, quando fez a novela O Todo Poderoso, lembrou-se dele. Tornaghi aceitou logo. Admira o cinema de Giorgetti, mas não compartilha sua visão de mundo, seu desencanto com o Brasil. "Sou otimista", define-se. Mas não tem problemas de relacionamento com o diretor nem se violenta para fazer o papel. "O que nos une, Giorgetti e eu, é o humor."

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