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Thomas Cailley investe contra rótulos

Diretor conta por que mistura tudo e subverte regras - guerra, romance, humor, drama - em 'Amor à Primeira Briga'

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

No ano passado, homenageado pela Mostra, o diretor, produtor e distribuidor francês Marin Karmitz – criador da rede MK2 –, já cravara sua opinião. O filme francês recente mais interessante era Les Combattants, um filme pequeno que havia arrebentado em seu circuito, convertendo-se num grande sucesso, não por meio de investimento publicitário maciço, mas pelo boca a boca do público. Depois disso, Les Combattants fez bonito no César, o Oscar francês, e agora, rebatizado como Amor à Primeira Briga, está em cartaz na cidade.

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Thomas Cailley veio a São Paulo para apresentar o filme, distribuído pela Imovision. É um jovem diretor de 35 anos, assinando seu primeiro longa. Fez um curta, Paris Shanghai, para o qual também compôs a trilha. O título brasileiro busca transformar a história em romance, e não é bem o caso. No original, é Os Combatentes. Há um casal, mas combatem o quê? Mais que um ao outro, embora o primeiro encontro tenha até dentada, eles combatem a falta de perspectiva para suas vidas. É um filme político? “A crise da Europa, e da França, está no centro de Les Combattants, mas enquanto escrevia o filme eu já me recusava a lhe atribuir um rótulo. Filme político, de amor, de guerra, comédia. Les Combattants é tudo isso, e da forma mais consciente possível.”

Um filme de risco? “Sem dúvida. Ainda bem que tive um produtor amigo e persuasivo, que conseguiu convencer os investidores. Não é fácil conseguir dinheiro para filmes que não sigam uma cartilha específica.” De cara, um dos amigos do protagonista – Arnaud – comenta que a França está falida. Está mesmo? “Não creio que exista muita satisfação com o governo de François Hollande”, comenta Cailley. E não há mesmo, como atesta o resultado das eleições legislativas. Nesse quadro de futuro incerto e sombrio, os eleitores franceses voltaram-se para a frente de ‘direita’ de Marina Le Pen. E, no filme, o que fazem Arnaud e Madeleine? Entram para o Exército.

Conflito. No longa, casal combate a si próprio e à ausência de perspectivas de vida Foto: DIVULGAÇÃO

“O serviço militar não é obrigatório na França. O Exército é uma instituição, mas também age como empresa, oferecendo uma carreira. Para isso, recruta integrantes para suas fileiras. Na França, costuma-se dizer que o Exército e McDonald’s disputam entre si quem recruta mais jovens.” No filme, Arnaud e Madeleine são muito diferentes entre si. Ela vem de uma família abastada, ele herda do pai e administra com a mãe e o irmão uma pequena firma de marcenaria, e não gosta do que faz. Ela é durona, ele parece mais frágil. De cara, e num recrutamento para o Exército, enfrentam-se. Para não fazer feio, e perder, ele lhe aplica uma dentada. Ela acusa o golpe, mas silencia, talvez surpresa com a agressividade que a aparência do rapaz não sugere.

Como abordar a diferença? “Enquanto escrevia, eu já sabia que não queria psicologizar. Para mim, era importante que tudo se desse no plano do físico.” Os atores, claro, foram fundamentais, Kévin Azaïs e Adèle Haenel. “Invertem posições tradicionais. Ela parece masculina, ele, feminino. Mas chega um momento em que a durona se fragiliza e o frágil se fortalece.” É uma forma de voltar aos papéis tradicionais? “Não pensava nisso, que o percurso de ambos fosse devolvê-los a funções, digamos, mais tradicionais. Não é bem isso que está em discussão em Les Combattants.” Mas, então, o que é? “Vivemos uma época em que não faz mais sentido discutir os papéis do homem e da mulher. Tradicionalmente, ele era o provedor, mas hoje as mulheres são tão boas provedoras como os homens. Os elos ficaram mais frágeis, e é interessante refletir sobre isso.”

Kévin Azaïs é uma boa descoberta. “Ele já tinha feito pequenas participações em filmes, um pouco porque é irmão de outro ator conhecido na França, Vincent Rottiers. Mas Kévin era, essencialmente, encanador, trabalhando com aquecimento (plombier chauffagiste). Adèle é maravilhosa. Impressionou-me desde que a vi em L’Apollonide, de Bertrand Bonello. Sabia do que era capaz e um dos meus prazeres, aqui, foi levá-la ao limite de suas possibilidades físicas e emocionais.” Não por acaso, ela ganhou o César de melhor atriz.

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