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Texturas no filme e na filosofia

Para filmar Nietzsche, Bressane fez um trabalho sofisticado com o fotógrafo José Tadeu Ribeiro, usando texturas em 16 mm, 35 mm, super-8, digital, etc

Por Agencia Estado
Atualização:

Há 20 anos a pesquisadora Rosa Dias coleta material para escrever a biografia intelectual de Nietzsche. Neste período, escreveu numerosos artigos e ensaios e virou, talvez, a maior especialista sobre Nietzsche no Brasil. Rosa é mulher do mais erudito dos diretores brasileiros, Julio Bressane. Ele sempre foi leitor de Nietzsche. Admite que acompanhar a pesquisa da mulher foi decisivo para que realizasse o filme que estréia hoje. Dias de Nietzsche em Turim é um típico Bressane. Relata uma aventura intelectual. O cineasta debruça-se sobre o período que o filósofo passou em Turim. Sabe que Nietzsche é um gigante do pensamento e das letras. Um filósofo e um artista. Seu filme não quer ser reducionista. Não se trata de tornar acessíveis para o grande público as idéias de uma figura como Nietzsche. Bressane não filma para as massas. Seus filmes são o que se pode chamar de ?biscoitos finos? do cinema brasileiro. Possuem um público reduzido, mas entusiasta e fiel. São filmes baratos - Dias de Nietzsche não chegou a R$ 250 mil. Na relação custo-benefício, Bressane gosta de dizer que seus filmes compensam. "Cinema brasileiro não dá lucro; nos meus filmes, as perdas são menores." Não se incomoda mais com o rótulo de ?maldito?, a ele aplicado. Mas lamenta: acha que esse segregacionismo não o atingiu apenas como indivíduo. Prejudicou o cinema brasileiro como um todo, na medida em que dificultou e até restringiu a atividade dos que vêem no filme um instrumento de investigação da linguagem, os que ousam. Depois dos modernistas, do Padre Vieira (Os Sermões) e de São Jerônimo, Nietzsche. Em Vieira, Bressane investiga a matriz formadora da língua portuguesa. Em São Jerônimo, discute menos o religioso que o signo formador da cultura. É o tema embutido em Dias de Nietzsche. Como um filósofo que escrevia como um poeta pode ser vertido para o português, como apropriar-se dele? Nietzsche, falado em português, mesmo que nos textos pouco conhecidos que Bressane escolheu, é outro Nietzsche. Já que não lhe interessava vulgarizar o pensamento do filósofo, ele escolheu três ou quatro conceitos que gostaria de trabalhar e buscou o que chama sempre de ?transcriação?. Como transformá-los em cinema, pois é disso que se trata. Bressane pode ser um intelectual e um pensador, mas escolheu o cinema como meio de expressão. Por que filma? Ele diz que o processo de criação é feito de mistério. No seu caso não obedece a nenhum processo consciente. Filma determinados assuntos porque quer aprofundar-se neles. Acha que filmar é descobrir, iluminar. Define o cinema, o seu cinema, como uma experiência autotransformadora. Em Dias de Nietzsche, fez o que chama de "pequena coisa sobre uma grande coisa". Começou escolhendo os conceitos de Nietzsche que queria colocar na tela. O esmaecimento do sujeito, o jogo de perspectivas que estabelece os pontos de vista e leva ao descentramento da verdade, o diálogo entre filosofia e arte que está no centro da produção intelectual nietzschiana. Para transformar os jogos de perspectivas em linguagem cinematográfica, para expressar na tela o relativismo de Nietzsche, recorreu a um sofisticado jogo de texturas, baseado em diferentes maneiras de captar e fixar a imagem: 16 mm, 35 mm, super-8, digital, etc. É um trabalho sofisticadíssimo e mais uma brilhante associação de Bressane com o fotógrafo José Tadeu Ribeiro. O ator Fernando Eiras, que faz Nietzsche, fornece outra parceria enriquecedora. Bressane destaca essa capacidade de ausentar-se de si mesmo, que ele possui. Eiras veste a máscara de Nietzsche. Aquele vasto bigode é um signo. Os três estarão juntos no novo filme que o diretor roda em maio. Filme Pornográfico será uma fábula sobre as três graças, transcriando o mito criado pela Vênus-Terra em Chipre.

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