Terror explícito de "O Exorcista" está de volta

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Por Agencia Estado
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Pode ser que você já tenha visto. Aliás, é bastante provável que tenha visto O Exorcista no cinema, em vídeo ou na TV, onde o cult de William Friedkin já teve exibições sem conta. Mas você nunca viu esse Exorcista que volta nesta sexta ao cartaz, na edição comemorativa dos 25 anos do filme adaptado do best seller de William Peter Blatty. O Exorcista está de volta no director´s cut, a versão do diretor. Ganhou 11 minutos a mais, incluindo cenas que desenvolvem melhor os personagens e as situações e outras que reforçam o caráter de choque do filme. A mais impressionante é a que aparece no trailer - a menina Regan desce a escada com pernas de inseto, a cabeça revirada e o plano termina com o rosto dela em primeiro plano, esguichando sangue. Tudo começou com Alfred Hitchcock, no começo dos anos 60. A célebre seqüência da morte de Marion Crane no chuveiro, em Psicose, com suas mais de 70 posições de câmera para apenas 45 segundos de filme, revolucionou o conceito de terror no cinema. Hitchcock acabou com o poder de sugestão das antigas produções de Val Lewton nos anos 40, mas foi preciso esperar por Friedkin, e pelo Exorcista, nos anos 70, para que o terror se tornasse totalmente explícito. O Exorcista possui a fama de ser o filme mais assustador de todos os tempos. Não é. Outros também podem reivindicar o título - O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski, nos anos 60, e O Iluminado, de Stanley Kubrick, nos 80. São mais sofisticados, mais autorais. Mas os efeitos repulsivos de O Exorcista, a deterioração física de Regan, possuída pelo demônio, o vômito verde que ela despeja sobre os padres Merrin e Karras, marcaram época. O horror ficou cada vez mais explícito. Surgiram Michael Myers e Freddy Krueger ao terror somou-se o humor e Pânico virou série. E tudo começou com o show de efeitos de O Exorcista. Antes dele, com a manipulação genial do medo do espectador por Hitchcock em Psicose. Blefe - Mais que clássico, esse filme é cult. E houve tantas imitações de O Exorcista que o filme perdeu um pouco de sua força. Mas continua forte. É um bom, um sólido filme de Friedkin e um dos dois que precisam ser levados em conta na avaliação da obra desse diretor, tão valorizado no começo dos anos 70. O outro é justamente Operação França, duplamente coroado com o Oscar, nas categorias de filme e direção. Depois, Friedkin perdeu o rumo e começou a fazer filmes progressivamente piores. Ou será que têm razão os críticos que dizem que ele sempre foi um blefe? Isso não elimina o impacto que O Exorcista ainda produz. Na verdade, o filme não conta uma história, mas duas. Começa no Iraque, onde o padre Merrin (Max Von Sydow), escavando algumas ruínas, descobre um amuleto que prenuncia o reinado do mal. Merrin chega a ver o demônio triunfante, que voltará a ver na cama de Regan (Linda Blair). Do Iraque, a narrativa salta para Georgetown e evolui por meio das duas histórias. Regan, filha de uma atriz que roda um filme de protesto em Washington (Ellen Burstyn), começa a apresentar um comportamento anormal. Queixa-se de que a cama se mexe, urina na frente de estranhos. A mãe a leva para um exame médico. Regan agride o médico com sua linguagem obscena. O processo radicaliza-se e ela vira um monstro repelente. Masturba-se com um crucifixo, bate na mãe, consegue girar a cabeça disforme sobre o resto do corpo, que permanece imóvel. Essa é a história de Regan e, paralelamente, interferindo na dela, vai sendo contada a história do padre Karras (Jason Miller). Regan sofre com a ausência do pai e os médicos até suspeitam, no início, que seu caso pode ser resultado de uma psicossomatização. Tanto ela tenta compensar-se que até possui um amigo imaginário. Os problemas de Karras são com a velha mãe doente. Padre que virou psiquiatra, ele começa a duvidar de sua fé. Sofre uma culpa profunda por ser pobre, por não ter podido dar à mãe o tratamento adequado e, finalmente, sente-se responsável pela morte dela, abandonada num asilo psiquiátrico. Numa cena, justamente quando ele está indo para a casa da mãe, o diretor mostra o mundo num tal grau de desordem que não seria despropositado dizer que Friedkin tenta expressar a entropia na tela. Degradação física e social, violência, o mundo está pronto para a chegada do demo, que vem possuir Regan. Mal-estar - E todos se perguntam - Merrin, Karras - por que Regan? Por que a menina de 12 anos? A pergunta não ganha o tipo de resposta fácil que Arnold Schwarzenegger aplica ao enfrentar o demo no mais recente, e também mais banal, O Fim dos Tempos, de Peter Hyams. Friedkin, que tantas vezes pôde ser acusado de pouco sutil e até irresponsável ao manipular as emoções do público, tentando falar sobre a atração do mal (Parceiros da Noite/Cruising, 1980), desta vez fez um trabalho mais nuançado, ou mais sólido. Quando a ciência falha no tratamento de Regan, a mãe, desesperada, recorre ao padre, em busca de um exorcismo. E quando o exorcismo falha, o padre Karras, que também é pugilista, resolve expulsar o demônio a socos do corpo de Regan, até mesmo sacrificando-se, o que é a sua forma de redimir-se da culpa que carrega em relação à mãe. Não é, em definitivo, o filme mais assustador de todos os tempos. Mais do que assustador, é desagradável. Produz mal-estar, não tanto pela violência gráfica, pelo horror da baba do sangue e do vômito, mas pelos sentimentos do espectador, que o diretor manipula com mais habilidade do que em outros filmes. Hollywood banaliza o mal em produções via de regra maniqueístas, mas às vezes surgem filmes genuinamente inquietantes. O Silêncio dos Inocentes, de Jonathan Demme, Seven - Os Sete Crimes Capitais, de David Fincher. O Exorcista não é tão consistente, enquanto psicanálise da América. Mas a psicanálise está lá e o filme ainda impressiona. Não é pouco, considerando-se todo o horror explícito que bateu na tela desde a pioneira possessão de Regan.

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