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Tartakovsky é o novo guru da animação

Catunista russo, que emigrou para os EUA, criou sérios candidatos a sucessores do Pernalonga e do Patolino: O Laboratório de Dexter e As Meninas Superpoderosas, cultuados no mundo todo

Por Agencia Estado
Atualização:

Coube a um cartunista russo criar os mais sérios candidatos a sucessores do Pernalonga e Patolino. Genddy Tartakovsky, com O Laboratório de Dexter e As Meninas Superpoderosas, é quem faz as regras agora no mundo do desenho animado da televisão. Seus personagens são um culto de Leste a Oeste, do Extremo Oriente à Terra do Fogo. Tartakovsky, de 31 anos, emigrou para os Estados Unidos com a família quando era criança e, com uma curta carreira, já ganhou um Emmy com As Meninas Superpoderosas, série que acaba de virar longa-metragem, previsto para estrear em meados de 2002. E a Variety o elegeu como uma das 50 pessoas mais importantes do mundo do entretenimento na atualidade. "Primeiro criei a Dee Dee, uma menina magrela e tagarela", ele contou, em entrevista por telefone, dos Estados Unidos, participando de uma teleconferência com jornalistas brasileiros. "Depois, imaginei que irmão ela poderia ter e pensei num garoto louco por ciência, zangado e arrogante - assim surgiu o Dexter." O mal-humorado Dexter, um nerd de 10 anos fascinado por computadores e máquinas e que tem como antípoda a irmã Dee Dee, meio Polyanna, é seu personagem mais querido. Com citações de clássicos de cinema, inserções "eruditas" em um desenho para crianças, Tartakovsky mostrou que não é preciso infantilizar as platéias para ganhar os corações. Ele cria Dexter em três etapas, revelou. Primeiro, um grupo de cinco a seis pessoas se reúne para imaginar as histórias. Depois fazem um roteiro com desenho, um storyboard. Finalmente, uma equipe trabalha com a produção do material. Ao final, cerca de 35 pessoas participam da realização de O Laboratório de Dexter. Tartakovsky lançou há duas semanas, nos Estados Unidos, um novo personagem, Samurai Jack, influenciado pela cultura dos samurais e pelo mangá japonês. "É uma das melhores formas de arte e eu realmente tenho respeito por essa expressão", disse o animador. Segundo informou o Cartoon Network, Samurai Jack só chega à TV brasileira em outubro do ano que vem. O artista contou que foi terrivelmente influenciado por desenhos antigos, como Speed Racer, por velhos gibis como Superamigos, mas também pelo cinema americano de ação, Rambo e coisas assim. Adorava o Capitão Caverna. Passando agora da comédia à ação, com Samurai Jack, ele diz que seu foco é sempre a simplicidade, buscar algo que se baste. "Samurai Jack tem muito a ver com os filmes de televisão americanos, não nas técnicas, mas nos diálogos e na história visual - ele não costuma falar muito", revela, sobre o novo personagem. Ele diz que nem mesmo os filmes de Kurosawa escapariam desse caleidoscópio, já que era fã do cineasta. Haveria também influência de Frank Miller e seu Ronin, clássico dos quadrinhos? "Sim, eu adoro Frank Miller e ele certamente exerceu influência sobre meu trabalho", afirma o cartunista. "Aprecio especialmente o Cavaleiro das Trevas, mais do que Ronin, e gosto de Miller não tanto pelas histórias que conta, mas pelo modo como conta as histórias - ele é um fabuloso contador de histórias", explica. Mesmo Dexter, sua criação mais cativante, tem grande influência do desenho japonês, com seus robôs megalomaníacos e os monstros invasores. Mas Tartakovsky aborda esse universo de maneira dessacralizante, com fina ironia. Embora já consagrado, Dexter ficou em segundo plano na hora de Tartakovsky lançar-se em sua primeira aventura no cinema. "O Dexter é uma criança excepcional que busca uma vida normal", ele resume, definindo seu personagem. "De certa maneira, ele lembra a minha própria infância - vim para os Estados Unidos aos 7 anos", lembra. "Por ser estrangeiro, estava sempre tentando me adaptar à vida americana", confidenciou. "No momento estou trabalhando no longa-metragem com As Meninas Superpoderosas", conta. Dexter não está nos planos da tela grande, o que é uma pena. Sem truques mirabolantes, ele faz rir com facilidade com seu gênio de cabelo vermelho e óculos de fundo de garrafa. Um exemplo: cansado de ser obrigado a desistir da TV cedo, por causa da pouca idade, ele cria uma máquina para ficar adulto. Erra na medida e vira o próprio avô, que dorme no sofá no final do filme. Tartakovsky divertiu-se muito quando soube e disse que acha "engraçado" o fato de suas personagens (Docinho, Lindinha e Florzinha, de As Meninas Superpoderosas) terem se tornado um culto da comunidade GLS no Brasil. "Não vejo problema nisso, é legal", afirmou. Segundo Tartakovsky, cada personagem tem um apelo e uma "vida" autosuficiente, encontrando leituras e interpretações diferentes. Então, por que não permitir que suas super-heroínas sejam encaradas como símbolos da tolerância sexual? As Meninas Superpoderosas são um claro esforço do cartunista em zombar da rigidez moralista do mundo dos super-heróis. Espantosamente fortes, mas delicadas e ingênuas, elas ordenam a vida numa cidade alienada, com bandidos sem escrúpulos e tolos e autoridades alienadas. Tartakovsky não figura entre os dez mais das tropas politicamente corretas, mas também não gosta de barbaridades. Ele acredita que a TV ajuda a fazer das crianças aquilo que elas serão no futuro e por isso diz que procura imprimir sensibilidade às suas criações. Mas sua responsabilidade consiste, basicamente, em criar "bons personagens e boas histórias". "Não tenho intenção de fazer referência (aos ataques terroristas do dia 11 de setembro) em nenhuma história", ele disse, ao ser questionado sobre os acontecimentos em Nova York. "É um assunto muito sério e acho que os cartuns têm um pouco a função de ajudar a escapar dessa realidade", ponderou. Tartakovsky disse que não tem interesse em driblar a rotina de criar personagens para o mundo dos ´toons´ e ir para os museus e galerias. "Não agora", afirmou. "Há muito o que fazer ainda."

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