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Takeshi Kitano aproxima mito japonês do faroeste

Diretor apresentou em Veneza seu Zatoichi, versão para o lendário samurai cego que vagueia pelo Japão do século 19

Por Agencia Estado
Atualização:

Um dos concorrentes mais esperados da mostra, Zatoichi, de Takeshi Kitano, satisfez o público, mas talvez tenha ficado aquém do que se espera do diretor japonês. Zatoichi, como se sabe, é o lendário samurai cego que erra pelo Japão do século 19, sobrevivendo do jogo e de massagens. Kitano retoma esse antigo herói de filmes e séries de TV e o faz à sua maneira. Essa nova versão é parente próxima do faroeste, em especial do faroeste spaghetti que celebrizou Sergio Leone em seu tempo. E, claro, sai em busca de uma referência interna ao próprio cinema japonês na pessoa de Akira Kurosawa. Mas interessa a Kitano, muito mais do que interessava a Kurosawa, uma certa coreografia, um grafismo explícito da violência, que, ao que parece, continua indo ao encontro de certas aspirações do público. Assim, apesar das aparências em comum, são poucos os reais parentescos entre esse Zatoichi e Yojimbo, ou Os Sete Samurais, para citar duas obras-primas do mestre Kurosawa. Não escapa ao realizador a importância da veia cômica no aggiornamento desse tipo de história. Além disso, o Zatoichi, interpretado pelo próprio Kitano, é um espadachim imbatível e não há por que desejar alguma verossimilhança realista nas lutas. A beleza plástica do filme alia-se a uma noção de ritmo muito acentuada - talvez ainda mais, nesse aspecto, do que nas obras consideradas maiores do diretor, como Hana-Bi - Fogos de Artifício, que já ganhou este mesmo festival de Veneza em 1997. Em Zatoichi, Kitano rima, poeticamente, determinadas ações com a trilha sonora, por exemplo, o movimento de enxadas dos trabalhadores caindo nos tempos fortes da música que se ouve. Toda a ação sanguinolenta termina num animado sapateado, que, garante Kitano, não é concessão ao Ocidente, mas faz parte até da tradição do kabuki. Na entrevista, ele admitiu que os exageros no uso da violência eram uma forma calculada para neutralizá-la. Afinal, estava apenas querendo divertir o espectador e não expô-lo a dores inúteis. Tem senso de mercado, o beat Kitano, mas perdeu o punch dos trabalhos anteriores. Os outros dois concorrentes do dia parecem não ter comovido tanto e devem passar em branco, mas por motivos distintos. De boa envergadura é o chinês Floating Landscape, de Carol Lai Mil Suet, história da garota que sai em busca de uma paisagem pintada por seu namorado antes de morrer. Uma maneira delicada de retratar o trabalho de luto. Já Code 46, do britânico Michael Winterbottom, com Tim Robbins e Samantha Morton, típico produto comercial, parece deslocado na mostra competitiva de um festival de primeira linha. Trata-se de uma ficção científica, de enredo mais complicado do que um cálculo de matemática integral. Robbins faz o empregado de uma seguradora do futuro que vai atrás de uma falsária, mas acaba se apaixonando por ela. Durante a coletiva, diretor e elenco exercitaram-se em banalidades sobre tiranias ainda por vir, a liberdade de expressão e o poder do amor.

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