Suzana Amaral está de volta, 15 anos depois

Diretora consagrada por A Hora da Estrela finalmente realiza seu segundo longa-metragem: Uma Vida em Segredo, baseado em romance de Autran Dourado

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Por Agencia Estado
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Quinze anos após a consagração de A Hora da Estrela, filme vencedor de mais de 20 prêmios, a cineasta Suzana Amaral finalmente realiza o seu segundo longa-metragem. Uma Vida em Segredo, baseado em romance de Autran Dourado, já está na lata. Essa produção delicada e intimista, em que a diretora diz levar a simplicidade ao extremo, deve chegar aos cinemas em maio de 2001. "É um filme que promete tocar na alma das pessoas. É uma obra aberta, daquelas que começam a martelar na cabeça da platéia só depois que a luz acende´´, diz a diretora paulista de 70 anos e 1m48 de altura, que impressiona pela vitalidade - mesmo tendo fraturado duas vértebras próximas ao pescoço ao cair de escada no ano passado. "Estou ótima. Só preciso tomar mais cuidado com a postura.´´ Assim como a protagonista de A Hora da Estrela, papel que rendeu a Marcélia Cartaxo o prêmio de melhor atriz em Berlim, a personagem de Uma Vida em Segredo é uma mulher tentando se adaptar. Enquanto a primeira, uma imigrante nordestina, queria ganhar a vida em São Paulo, a segunda é uma jovem órfã que acaba adotada por família de classe média e precisa se sofisticar. "A história é captada com sutilezas a partir de um universo muito particular´´, conta Suzana, que escreveu o roteiro e trouxe Lauro Escorel (de Brincando nos Campos do Senhor e Coração Iluminado) para assinar a direção de fotografia do filme, rodado em Pirenópolis, Goiás. "Como a ação se passa no início do século, caprichamos na reconstituição de época. Tiramos os postes e os fios. Deu trabalho, mas valeu a pena.´´ Enquanto aguarda a captação de novos recursos para iniciar a edição do filme, orçado em R$ 2 milhões, Suzana dá aula de direção cinematográfica na ECA e, amanhã, ajuda a definir o vencedor do 33º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A cineasta é uma das juradas no evento que entregará R$ 50 mil ao melhor longa-metragem. "Já passei pelos júris de Berlim, Havana, Huelva, Rio e muitos outros. Sempre tive um olhar crítico, tanto para o trabalho dos outros quanto para o meu.´´ Por que demorou tanto para rodar o seu segundo longa? Suzana Amaral - A verdade é que eu não estive parada. Não rodei longa-metragem, mas filmei comerciais, institucionais, escrevi roteiros, fiz uma minissérie em Portugal para a RTP, desenvolvi trabalho de roteiro na Alemanha e fui consultora de roteiro para o Sundance (o instituto de cinema de Robert Redford). Deveria ter voltado antes à direção de longa, mas infelizmente eu me envolvi em 1997 com o projeto de O Caso Morel, que não deu certo. Quando você descobriu que o projeto "O Caso Morel" não sairia do papel? Uma semana antes de começar a filmar, descobri que o dinheiro havia acabado. Foi uma grande decepção, principalmente porque o filme já estava todo ensaiado e as locações estavam escolhidas. Era um projeto meu que a produtora de Sheila Feital encampou. Por desconhecer o trabalho dela, eu não quis me associar e entrei como diretora contratada. Só depois descobri que ela não soube administrar o dinheiro que conseguiu em cima do meu nome e do Rubem Fonseca (autor do livro em que o roteiro era baseado). O que mais a atraiu na história de Uma Vida em Segredo, que valeu ao autor o Prêmio Camões de Literatura deste ano? Seria a possibilidade de lidar com mais uma personagem em transformação? Foi a possibilidade de contar uma história de uma mulher que volta às origens, que é fiel a si mesma. Biela, a protagonista, é uma garota que sai da zona rural e vai morar com uma família de classe média na cidade. Eles a ensinam a comer direito, se vestir bem. Ela reluta um pouco, mas aceita. Só que ela sofre uma desilusão amorosa, após a família forçar um noivado, e decide voltar a ser bronca. Vai então morar em um quartinho nos fundos da casa e passa a ficar com os empregados na cozinha. Ela só cria uma nova dependência emocional ao cuidar de um cachorro, que passa a ser a única razão de sua vida. A atriz Sabrina Greve, a protagonista, não tem experiência no cinema - assim como Marcélia Cartaxo, na época de A Hora da Estrela. Você prefere trabalhar com estreantes? É pura intuição. Esse é o primeiro trabalho de Sabrina no cinema, mas ela tem experiência no teatro. Eu a escolhi no palco, quando ela interpretava Prêt-à-Porter III, de Antunes Filho. Tenho a impressão de que Sabrina causará sensação quando o filme estrear. Não sei se sou eu que imponho o ritmo ou se ela já nasceu com isso. Mas ela respondeu muito bem à direção. Como você trabalha a direção de atores? Não deixo o ator interpretar ou representar. Ele tem de ser aquilo que o roteiro pede. Não acredito nessa história de memória afetiva ou entrar no personagem. O diretor é que deve contar quem é o personagem, revelando a sua história. O ator simplesmente é. Como foi dirigir um cachorro? Um horror, um verdadeiro pesadelo. Animal é muito pior que criança. Terei de recorrer à montagem para construir a sua interpretação. Nunca mais faço isso (risos). Pelo fato de "A Hora da Estrela" ter feito tanto sucesso, você sente alguma pressão ao dirigir o segundo longa? Não. Como fazer cinema no Brasil não dá lucro, faço pela diversão. Então não sinto pressão alguma. Faço aquilo que quero e aquilo que posso fazer. Se ficar bom, ficou. A esta altura da vida, não preciso provar nada. Nem para mim, nem para os outros.

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