Suspense e emoção na final da Berlinale

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Por Agencia Estado
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Todo ano, o Festival de Berlim anunciava seus vencedores à tarde, durante uma coletiva de imprensa. À noite, compareciam ao Palast somente os vitoriosos, para receber seus prêmios. Desta vez foi diferente. O diretor do evento, Dieter Kosslick, resolveu que o anúncio seria feito no palco, aumentando o suspense. Ocorreram cenas nunca vistas na final da Berlinale. A dinamarquesa Pernille Fischer Christensen emocionou-se ao receber seu Ursinho de diretora estreante, por "A Soap". Ao receber o segundo prêmio, o Urso de Prata com a menção honrosa do júri, abraçou-se ao jurado Yash Chopra e chorou de dar dó. Em toda parte, no mundo, o ato de fazer cinema envolve o mesmo esforço. No sistema industrial, prevalece o profissionalismo. Nas cinematografias mais laterais, o que move os artistas é a paixão. Houve vários bons filmes em Berlim, em 2006. A própria seleção, com seu recorte político, já configurava uma tendência. É curioso o que disse o diretor Bennett Miller, de "Capote". Ele encantou-se com São Paulo quando o repórter lhe disse que começava hoje na cidade um evento que ia mostrar outros filmes adaptados da obra do escritor Truman Capote, especialmente "À Sangue-Frio", de Richard Brooks. Ele achou sensacional. "Não ouvi falar de nenhuma tentativa semelhante, em nenhum outro lugar. O filme de Brooks é um clássico. E, embora seja muito diferente do meu, em estilo e intenção, acho que os dois se iluminam e completam." Pode-se dizer a mesma coisa da seleção da mostra competitiva do 56º Festival de Berlim. Os filmes se sucediam, muitas vezes partindo de opostos, para oferecer visões complementares. A guerra, a economia, a violência, o poder, o sexo foram temas recorrentes. Após a tragédia da mãe estuprada de "Grbavica", o grande vencedor do Urso de Ouro, veio a angústia do estuprador de "The Free Will", que não consegue conter seus impulsos. Ele sofre e chora - "Não posso", diz, e o lamento evoca o grito de desespero de Peter Lorre no clássico "M, o Vampiro de Dusseldorf", de Fritz Lang. O poder corrompe, o sexo degrada, mas muitos diretores seguiram, aqui, a trilha de Walter Hugo Khouri e procuraram ver nessa degradação uma possibilidade de ascese. Os yuppies de "Slumming", de Michael Glawogger, divertem-se humilhando as pessoas. Têm algo a ver com a juíza de Chabrol em "L´Ivresse du Pouvoir", que não tem compaixão e não concede a ninguém o benefício da dúvida. Sua função, ela acredita, é punir. Os suspeitos são culpados que a juíza desmonta, psicologicamente. A embriaguez do poder e a corrupção são as mesmas em Chabrol e em "Syriana", de Stephen Gaghan, como se os autores quisessem dizer que o valor supremo atribuído ao mercado, nestes tempos de globalização, não pudesse produzir outro efeito nas pessoas. Robert Altman evoca valores perdidos em "A Prairie Home Companion". O segurança do ministro de "El Custodio" enlouquece pela repetição do mesmos gestos e pela pressão da família disfuncional. A família é repressora em "Réquiem", onde uma mãe distante acelera o processo de destruição emocional da própria filha, que se considera possuída pelo demônio. O sistema é mais repressor ainda. As garotas que querem assistir a um jogo de futebol em "Offside" são proibidas pela lei islâmica. Os islâmicos são todos suspeitos de terrorismo após o 11 de setembro e mandados para o campo de prisioneiros de "Road to Guantánamo", onde os americanos se revelam tão ou mais nazistas do que os alemães em fantasias de Hollywood. O problema é essa necessidade de ver no outro o inimigo que é preciso destruir, somente com base no preconceito, adverte Sidney Lumet em "Find me Guilty". Política, sempre. E estética. A política não pode ser colocada acima da estética e o filme político tem que ser um bom filme para ser eficiente, disse o polonês Andrzej Wajda, quando veio receber seu merecido Urso de Ouro especial, pela carreira. Wajda está certo. O fecho da Berlinale foi uma emoção à parte, com a exibição da versão restaurada de "Pat Garrett e Billy the Kid", o deslumbrante western de Sam Peckinpah com James Coburn e Kris Kristofferson. No início, podia-se pensar que a Berlinale escolhera mal o filme para sua homenagem a Peckinpah. Poderia ter sido "A Cruz de Ferro", com aqueles nazistas que brigam feito crianças por uma medalha (e são arrogantes, cruéis e destrutivos). Em 1973, quando fez seu filme, Peckinpah já sabia tudo o que ia ocorrer. Pat Garrett é premonitório do mundo do poder econômico em que vivemos. Confira a lista dos vitoriosos: FILME: Grbavica, de Jasmila Zbanic DIREÇÃO: Michael Winterbottom e Mat Whitecross, por Road to Guantanamo GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: Offside, de Jafar Panahi, e A Soap, de Pernille Fischer Christensen ATOR: Moritz Bleibtreu, por Partículas Elementares, de Oskar Roehler ATRIZ: Sandra Hüller, por Réquiem, de Hans-Christian Schmid CONTRIBUIÇÃO ARTÍSTICA: Jürgen Vogel, ator, co-roteirista e co-produtor, por The Free Will, de Matthias Glasner MÚSICA: Peter Kam, por Isabella, de Pang Ho-Cheung PRÊMIO ALFRED BAUER: El Custodio, de Rodrigo Moreno FILME DE DIRETOR ESTREANTE: A Soap, de Pernille Fischer Christensen CRÍTICA: Réquiem ECUMÊNICO: Grbavica

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