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Sturm conclui o sonho tropical de Osvaldo Cruz

Por Agencia Estado
Atualização:

Foram seis semanas de filmagem no Paraná, nas cidades de Castro e Antonina, no ano passado. Nos dias 14 e 15, no Rio, André Sturm termina a rodagem de Sonhos Tropicais, seu filme sobre Osvaldo Cruz e o episódio que ficou conhecido como "a revolta da vacina". Na origem do filme está o livro de mesmo nome do escritor gaúcho Moacyr Scliar, sanitarista como o próprio Osvaldo Cruz. No dia 14, Sturm filma na tradicional Confeitaria Colombo, que já foi cenário de vários filmes brasileiros. O mais recente, antes do de Sturm, foi Copacabana, de Carla Camurati, mas Júlio Bressane também utilizou o ambiente para cenas de Nietzsche em Turim, como se fosse uma confeitaria na Itália, mas sem se preocupar em forçar a ´italianização´. No dia 15, Sturm e sua equipe deslocam-se para outro ponto importante do Rio, o palácio do Catete, que já foi sede da República e hoje é museu. Ali se matou o presidente Getúlio Vargas, em 1954, episódio de forte repercussão na história brasileira dos anos (e décadas) seguintes. Serão duas locações importantes. Na Colombo, Sturm vai rodar as cenas com José Lewgoy, Hugo Carvana e Antônio Pedro. Eles interpretam o trio de jornalistas que o diretor pretende usar como uma espécie de coro, ao longo da narrativa, intercalando seus comentários, quase sempre irônicos, com os incidentes, a maioria dramáticos, que compõem a ação. No Catete, filmará as cenas no gabinete do presidente Rodrigues Alves, interpretado por Cecil Thiré. São duas cenas em que ele conversa com Osvaldo Cruz, interpretado por Bruno Giordano, e outras três durante a revolta da vacina, quando se reúne com seu gabinete para avaliar a situação. É a estréia de Giordano, ator de sólida formação teatral no longa, mas não no cinema. Ele já fez o curta E no Meio Passa um Trem, de Fernando Meireles e Nando Olival, que venceu o prêmio da categoria no Festival de Gramado de 1999, acrescentando ao Kikito de melhor filme o de melhor ator, dividido entre Giordano e seu colega de elenco, Theo Werneck. Sturm, dono da distribuidora Pandora - que relançou A Noite em cópia nova e deve promover, em seguida, a reestréia de Belíssima, dois clássicos do cinema italiano, um dirigido por Michelangelo Antonioni, o outro por Luchino Visconti -, inicialmente pensava em convidar a atriz francesa Emmanuelle Béart para um importante papel de Sonhos Tropicais. A bela intrigante de Jacques Rivette faria a personagem Ester, uma judia polonesa que desembarca, no Rio, na primeira cena. Chega com Osvaldo Cruz, ambos procedentes da Europa, mas sem vinculação alguma. As duas tramas correm paralelas. Ester, atraída por uma proposta de casamento, vai parar no bordel, como uma daquelas prostitutas que entraram para a história da vida privada no Rio como "as polacas". E Cruz luta para sanear a Capital Federal, assolada pelos ratos, a febre amarela e a varíola no quadro da reurbanização proposta pelo presidente Rodrigues Alves. Convence o governo a instituir um programa obrigatório de vacinação. A população reage, formam-se barricadas. O Rio de Janeiro vira cenário de guerra. Da bela Emmanuelle, Ester passou para uma escolha nacional do diretor, a igualmente bela Carolina Kasting, que tanta sensação fez por sua participação na novela Terra Nostra (em que era a mulher de Mateo, aliás, Thiago Lacerda). Sturm não se arrepende nem um pouco da escolha. Está entusiasmado com sua atriz. Lembra a primeira cena de Carolina, na primeira fase da produção, em Castro. A cena era difícil. Ester discute com seu gigolô, ele a agride e ela cai ao solo. Carolina exercitou-se para representar em ídiche, treinando com uma especialista as falas que deveria repetir diante da câmera. Ela se atrapalhou na primeira tomada, houve problemas técnicos, de angulação e iluminação, que tornaram insatisfatórias a segunda e a terceira. Sturm admite que um certo nervosismo começou a se apossar dele. Chegou a duvidar, por um segundo, do acerto de sua escolha. Se tivesse errado, o filme estaria ferrado. Mas aí ocorreu o milagre, a magia, dêem o nome que quiserem. Carolina representou com tanta veemência, tanta força, tanta emoção, que quando ela caiu ao solo a equipe não resistiu e aplaudiu a atriz. A partir daí, tudo correu bem, apenas com os problemas de praxe de uma produção que não chega a ser tão cara, pelos inflacionados padrões do cinema brasileiro - que hoje tenta retomar uma vertente mais barata -, mas, de qualquer maneira, é um filme de época. Envolve reconstituição, figurantes cenas de ação. Tudo isso dá trabalho. As cenas da barricada - o momento culminante da ação, propriamente dita, envolveram 200 figurantes, 20 cavalos, tiros, mortos. Sturm usou três câmeras para cobrir a cena de diferentes ângulos e acha que ficou "muito bonito e forte". Nos últimos dias, ele tem revisto o material rodado. Confessa-se animado. "Acho que dá para fazer um filme bem bacana", diz. Ele quer iniciar logo a montagem, ainda neste mês de janeiro. Em fevereiro, vai ao Festival de Berlim e, logo em seguida, a uma feira de cinema em Las Vegas. Quer levar um promo (espécie de trailer promocional para investidores), para ver se consegue parceiros internacionais. O orçamento da produção é de R$ 2,8 milhões e os principais patrocinadores são o Banespa (o ex-Banespa) e o PIC, o Programa de Integração Cinema e TV, da Cultura. No fim do ano, Sturm ainda tentou captar o dinheiro que lhe falta. Captou só R$ 80 mil. "O momento é complicado", avalia. Ainda precisa captar R$ 400 mil para conseguir fazer a finalização do jeito que quer, cheia de cuidados para colocar um produto bem acabado nos cinemas. Acredita que, com o promo e até a montagem que pretende fazer logo, poderá conseguir a participação de alguma distribuidora estrangeira - por meio do famoso artigo terceiro - na distribuição. É assim que Fox, Warner e Columbia têm colocado dinheiro no cinema brasileiro. A parceria ainda irrita alguns puristas que insistem em identificar Hollywood com o demo e só admitem buscar parcerias européias. Pode-se objetar que as Majors, no Brasil, investem só no cinema-espetáculo, não em pesquisas de linguagem e política. Seu aporte financeiro, de qualquer maneira, tem sido uma fonte importante de recursos para a produção nacional. Antes de estrear no longa, Sturm já fez dois curtas - Arrepio e Nem Tudo Que É Sonho Desmancha no Ar. Fez a passagem (do curta para o longa) sem sobressalto, talvez porque tenha demorado para levantar os recursos necessários à produção e à rodagem. Como conseqüência, pôde trabalhar bem o roteiro e preparar as cenas, até mesmo estabelecendo o que não é bem um storyboard, mas um planejamento minucioso, até mesmo com ângulos enquadramentos e movimentos de câmera, nas cenas mais complicadas. Embora trabalhando no registro do espetáculo, fez um filme de ambições críticas e autorais. Não poderia ser diferente, porque como distribuidor, por meio da Pandora, Sturm tem sido um intransigente divulgador do cinema autoral no País. Passaram-se cem anos desde os eventos retratados. O Brasil de 1900 está sendo retratado na tela no limiar do século 21, mas Sturm vê o mesmo desencanto. O descaso, o oportunismo, a falta de projetos. "Até a febre amarela, que Osvaldo Cruz combatia, continua a nos assolar, só que agora é o dengue." O tema de Sonhos Tropicais é bem um sonho - colocar na tela um momento de transformação, em que o Brasil arcaico luta para modernizar-se. Ele está - repita-se a palavra - animado. Gosta do material rodado. Agora é trabalhar na pós-produção e esperar que Sonhos Tropicais venha a ser o que espera - um bom, e talvez mais do que isso, filme.

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