Sigmund Freud no cinema: de John Huston a David Cronenberg

Jean-Paul Sartre escreveu o roteiro original de 'Freud, Além da Alma', de Huston; Cronenberg colocou Viggo Mortensen no papel do psicanalista

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Billy Wilder, um dos grandes diretores do cinema – Crepúsculo dos Deuses, Quanto Mais Quente Melhor –, sempre gostou de lembrar o momento em que, como jovem repórter em Viena, chegou à porta do famoso dr. Sigmund Freud e conseguiu dar uma espiada no célebre divã. Essa proximidade não teve desdobramentos e somente em A Vida Íntima de Sherlock Holmes, de 1970, Wilder foi freudiano. A par do romantismo gótico, havia um foco psicanalítico na abordagem da misoginia e da homossexualidade reprimida do mestre da dedução. 

Até aqui estamos falando da influência de Freud sobre a arte, e o cinema. Mas e o próprio? O Dr. Freud? Em sua autobiografia, Um Livro Aberto, John Huston conta que, já antes da 2.ª Guerra, seu amigo Wolfgang Reinhardt e ele já discutiam a possibilidade de fazer um filme sobre Freud e a formulação dos grandes princípios da psicanálise. O projeto só começou a tomar forma no fim dos anos 1950. Huston via a descida de Freud ao inconsciente como algo aterrador – seu modelo era Dante no inferno.

Montgomery Clift, à direita, como Freud em 'Freud, Além da Alma', de John Huston Foto:

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Com essa ideia, ele procurou Jean-Paul Sartre – havia dirigido Entre Quatro Paredes no teatro, em Nova York – para escrever o roteiro. Sartre era comunista e antifreudiano. Reconhecia a importância das teorias de Freud para o que chamava de ‘conhecimento do espírito humano’, mas achava que possuíam pouca ressonância social. Sartre cobrou antecipadamente – US$ 25 mil em 1959 –, mas pediu tempo, porque estava preso a outros compromissos (uma peça e um livro). Meses depois, enviou sua primeira proposta de roteiro a Huston e Reinhardt, já entronado como produtor.

A evolução da teoria do complexo de Édipo era relatada por meio da complexa relação de Freud com seu pai e o roteiro de 300 páginas daria um filme de cinco horas. Solicitado a reduzi-lo, Sartre escreveu outro roteiro com o dobro de páginas, mas Huston e Reinhardt, com diferentes colaboradores, conseguiram comprimi-lo em 190 páginas, que dariam um filme de três horas.

Filmado em preto e branco, com Montgomery Clift como protagonista, Freud – no Brasil, Freud, Além da Alma – estreou em 1962, com 140 min. Mostra a relação de Freud com os pacientes que lhe permitiram formular os conceitos dos complexos de Édipo e Electra. Era um filme adiante de sua época e provocou controvérsia, mas divide a obra de Huston, que fez depois seus melhores filmes, todos com foco na psicanálise.

Quase 50 anos depois, David Cronenberg fez Um Método Perigoso, baseado na relação entre Freud e Carl Gustav Jung e a ruptura provocada pelo envolvimento íntimo do segundo com uma paciente (Sabina Spielrein). Cronenberg e os abismos da mente, que, como as mutações físicas nos filmes anteriores, podem transformar as pessoas em aberrações aos olhos dos outros. E os atores, Viggo Mortensen e Michael Fassbender.

Mais uns anos e, em A Tabacaria, de Nikolaus Leytner, de 2018, Bruno Ganz, como dr. Freud, dá conselhos amorosos a um aprendiz, em Viena, no alvorecer do nazismo. Você conhece a máxima – Freud tudo explica. Não as mulheres. Na ficção de Leytner, Bruno Ganz, não sem malícia, admite sua ignorância em relação a elas.

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Veja o trailer dos filmes:

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