Shakespeare, filmado em Tiradentes

Cidade mineira vira cenário para a versão cinematográfica de Leila Hipólito para a comédia shakespeariana As Alegres Comadres de Windsor

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Por Agencia Estado
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Leila Hipólito está longe de ser uma estreante. Fez o curta A Decisão, que ganhou prêmios do formato em vários festivais, e também um documentário sobre o artista plástico Antônio Dias que virou DVD à venda em museus e nas lojas do Centro Cultural Banco do Brasil, o CCBB. É um trabalho muito bonito. Há tempos Leila sonhava com a passagem para o formato longa, mas não queria fazê-la com um argumento original. Queria uma adaptação. O problema era qual livro ou peça adaptar. Ela fez uma escolha que não deixa de surpreendê-la. Leila adaptou As Alegres Comadres de Windsor, de Shakespeare. A versão cinematográfica vai chamar-se simplesmente As Alegres Comadres. Se Leila tivesse de situá-las no espaço seria As Alegres Comadres de Tiradentes, pois foi na cidade histórica mineira que ela rodou o filme, durante seis semanas e meia, no último trimestre do ano passado. Leila havia pensado em filmar As Alegres Comadres em Petrópolis, no Estado do Rio. Chegou a procurar locações na cidade serrana, mas descobriu que os vestígios passados foram muitos adulterados pelo avanço da modernidade urbana. Foi a Tiradentes e descobriu em Minas o cenário que queria. Fez um filme relativamente barato: R$ 1 milhão e pouco, bancado por parceiros como a BR Distribuidora e a Eletrosul. Não representa muito para um filme de época. Houve algumas (raras) tentativas de adaptar Shakespeare no cinema brasileiro. Romeu e Julieta virou esquete com Oscarito e Grande Otelo numa comédia da Atlântida e Ozualdo Candeias transformou Hamlet em A Herança. Leila Hipólito poderia, quem sabe, haver-se baseado numa tragédia: Otelo, já que o ciúme é um tema que a atrai bastante. Ela encontrou o mesmo tema e mais uma discussão sobre a corrupção em As Alegres Comadres de Windsor, tudo isso coberto de humor, pois se trata de uma das comédias do genial dramaturgo elisabetano. Não pensou duas vezes: Adoro a comédia, acho o humor muito salutar, ela diz. E acrescenta: O riso não tem apenas um efeito terapêutico muito forte. Também é um instrumento muito importante de conscientização e crítica. Convencida de que o riso é uma coisa muito séria, ela se atracou com a história de As Alegres Comadres, vendo nela uma forma muito interessante de abordar o Brasil de FHC, que agora já vai sendo substituído pelo de Luiz Inácio Lula da Silva. As Alegres Comadres conta a história de um trambiqueiro que se afasta da corte e busca as pequenas cidades do interior para aplicar seus golpes. Na trama shakespeariana, Falstaff tenta conquistar as senhoras Ford e Page, mas uma série de mal-entendidos envolvendo seus companheiros de esbórnia - Bardolfo, Nym e Pistol - torna o caso de domínio público e ameaça a reputação das duas senhoras, provocando protestos do juiz de paz Shallow e de seu sobrinho, Slender, além, é claro, dos maridos das duas. Essa é a trama que Leila Hipólito afirma não ter tido dificuldade para abrasileirar. Ela transpôs a trama para o século 19, mas não se preocupou em fazer um filme de época, no sentido tradicional, porque sua leitura do texto é contemporânea. Fizemos um trabalho que eu acredito que esteja muito interessante em termos de fotografia, direção de arte e figurinos. É um filme de época, mas procurei atingir uma certa intemporalidade, justamente para mostrar como o texto de Shakespeare permanece atual e como é universal, a ponto de poder ser transposto para o Brasil sem maiores problemas. Houve todo um trabalho de pesquisa e interpretação do texto. Leila chegou a viajar à Inglaterra, para pesquisar em museus e bibliotecas as sutilezas da obra shakespeariana. Escreveu um roteiro detalhado, mas admite que se permitiu grande liberdade, até mesmo improvisando com seus atores, porque As Alegres Comadres de Windsor difere, já na origem, das outras criações do dramaturgo. Seu texto é em prosa, não em verso, explica. Isso possibilitou a atualização e a improvisação. Leila adorou fazer o filme em Tiradentes, onde teve, segundo conta, o apoio da população, que já está acostumada com o cinema porque a cidade é sede de um importante festival de cinema. O deste ano ocorre agora no fim de janeiro e será marcado por projeções e debates em torno do tema do anti-herói no cinema brasileiro. À medida que ia filmando, Leila ia montando o filme. Ela já dispõe de uma primeira versão, mas admite que ainda tem muito trabalho até que As Alegres Comadres fique pronto para estrear (no segundo semestre). Quer ver se põe o filme em algum festival internacional. Cannes, Veneza? Ainda não mostrei o filme a ninguém e também não me preocupei qual festival tem perfil para recebê-lo e vice-versa. Isso é muito importante. Trabalhar com o texto de Shakespeare e num cenário como o de Tiradentes foi muito prazeroso, mas prazer mesmo Leila teve com os atores. Não poupa elogios a Guilherme Karan e Zezeh Polessa. O Guilherme está maravilhoso, é um ator completo, que tem um registro muito amplo e excede no humor, que é o que mais me interessa no filme. Estes dias serão muito importantes para As Alegres Comadres. Estou negociando a distribuição, ela diz, mas só com muita insistência revela qual será a possível distribuidora (o contrato ainda não foi assinado). Será a Lumière. Como a empresa brasileira é parceira da Miramax, que produziu e distribuiu Shakespeare Apaixonado, não custa nada sonhar com um Shakespeare bem brasileiro no Oscar.

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