"Sexo, Pudor e Lágrimas", um sucesso mexicano

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Por Agencia Estado
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Sexo, Pudor e Lágrimas é curioso por ter sido grande sucesso de bilheteria no México. Bem o título é uma paródia da frase famosa de Winston Churchill ("Só posso lhes prometer sangue, suor e lágrimas, etc."), mas obviamente não tem nada a ver com a agonia britânica nos primeiros tempos da 2.ª Guerra Mundial. O filme dirigido por Antonio Serrano é nada além de uma comédia romântica que se pretende moderna, divertida e libertária. Se atinge esses objetivos é uma outra questão. No entanto, acertou o alvo que interessa a qualquer produtor: foi grande sucesso de bilheteria, um dos maiores êxitos na história moderna do cinema mexicano. Segundo dados divulgados pelos distribuidores, só perdeu em bilheteria para Titanic e Tarzan. Não é pequena façanha, ainda mais levando-se em conta a origem teatral do texto. Não se trata de preconceito, mas de mera constatação estatística. Raramente teatro filmado dá certo. Em todo caso, este deu, e isso talvez tenha até mesmo a ver com o êxito da própria peça, que ficou dois anos em cartaz na Cidade do México, com mais de 500 apresentações no Teatro El Galéon. Pode ser que esse fenômeno local tenha terminado por contaminar, positivamente, o filme quando este foi lançado, e dirigido, pelo mesmo autor da peça. A história é bem bolada e fala de dois triângulos amorosos que passam a interagir. Ana (Suzana Zabaleta) ressente-se da falta de atenção (principalmente sexual) do marido Carlos (Victor Hugo Martin). Tudo vai mal entre os dois quando entra em cena uma complicação adicional: chega como hóspede Tomás (Demián Bichir), vindo de uma temporada européia. Detalhe: ele é amigo de Carlos e foi namorado de Ana. Do outro lado da rua, exatamente em frente do apartamento de Ana e Carlos moram Andréa (Cecília Suárez) e Miguel (Jorge Salinas). Como os vizinhos, vivem aos tapas. E também arrumam um terceiro, ou melhor uma terceira, para complicar ainda mais as coisas. Quem chega é Maria (Monica Dionne), ex-noiva de Miguel, que ele, inadvertidamente, convida para passar uma temporada em sua casa. O ponto de partida da história é incomum. Nos dois casos pessoas que vêm de fora (Tomás, em um caso, Maria, em outro) servem como desencadeadores de conflitos latentes ou mesmo já bem ensaiados pelos casais. O que se assiste nesses conflitos? O de sempre. De um lado, mulheres insatisfeitas e/ou opiniáticas. De outro, homens indiferentes, egoístas ou frágeis. Os "estranhos" são o aproveitador charmoso (Tomás) e a falsa dona de si mesma (Maria). Quer dizer, encena-se a tradicional guerra dos sexos, entre gente que já deixou a primeira juventude mas não chegou ainda à maturidade. Gente de trinta e poucos anos. Bem resolvida profissionalmente, mas ainda incrivelmente infantil quando o assunto é afetividade e sexo. São exemplos perfeitos de como hoje em dia a adolescência pode se prolongar vida afora. Se há um ponto interessante em Sexo, Pudor e Lágrimas é a maneira pouco maniqueísta como encara a guerra dos sexos. Mesmo quando coloca homens e mulheres em trincheiras opostas, Serrano não cede à tentação politicamente correta de fazer estas de vítimas e aqueles de algozes. Sobra para todo mundo. E todos acabam se revelando cúmplices dessa comédia de equívocos em que se pode transformar um relacionamento humano. Dito assim, o filme até parece mais interessante do que é na realidade. Pena que as situações construídas não estejam à altura da inspiração inicial do autor. Se em alguns momentos a história passa a sensação de verdade, na maior parte do tempo é o artificialismo que prevalece. Mas, atenção: não se trata daquele artificial buscado exatamente para enfrentar mais à vontade alguns temas espinhosos - como quando, por exemplo, um autor da estirpe de Alain Resnais mimetiza a situação teatral em Melô ou Smoking, No Smoking, por exemplo. E se não convence como estudo "a fundo" da crise do casal contemporâneo, Sexo, Pudor e Lágrimas também não se acerta lá muito bem com a chave do humor. Raras são as cenas realmente engraçadas, embora seja óbvio que Serrano busque o humor como tempero para uma análise pretensamente "séria" da desordem amorosa contemporânea. Pode ser um daqueles casos de barreira cultural intransponível. Mas a hipótese não é boa, já que desde Cantinflas, Buñuel e os melodramas da Pelmex nos entendemos muito bem com os mexicanos. O mais provável é que Sexo, Pudor e Lágrimas seja um daqueles casos inabordáveis e inexplicáveis de sucesso de público, que desafiam a imaginação de analistas de qualquer latitude ou longitude. Como filme, é bem ralo.

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