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Sexo e política dão o tom no Festival de Cannes

Com filmes como Short Bus, de John Cameron Mitchell, e An Inconvinient, de Guggenheim, ambos da seleção oficial

Por Agencia Estado
Atualização:

Tem gente até agora tentando se recuperar do susto provocado pela seqüência inicial de Short Bus, que foi exibido no sábado à noite, fora de concurso, no Grand Theatre Lumière, o Palais (palácio do festival) de Cannes. Num esforço contorcionista, um dos personagens do filme de John Cameron Mitchell consegue praticar sexo oral consigo mesmo. O diretor não simula, mostra. Short Bus é o nome de um clube ou local de encontro, onde vários casais (homos e heteros, além de gente solitária) se reúnem para tentar resolver suas carências afetivas e sexuais. O auto-fellatio da primeira cena é só a introdução, sem trocadilhos, para todo tipo de bizarrice sexual. Nem a Central do Brasil tem tantos trenzinhos como os que Cameron Mitchell filma. Na coletiva, com a maior candura, o diretor defende-se de qualquer possível acusação de sensacionalismo e diz que fez Short Bus para denunciar/afrontar o puritanismo da era George W. Bush. Politização do sexo, erotização da política. Os dois temas, sexo e política, deram as cartas na programação do fim de semana. Também integrando a seleção oficial, mas fora de concurso, o diretor Guggenheim veio mostrar An Inconvinient Truth. Com ele veio o ex-vice-presidente americano Al Gore, que virou um crítico feroz da política ambientalista de Bush filho. A verdade inconveniente que Gore e Guggenheim vieram discutir é aquela para a qual muita gente ainda fecha os olhos - o aquecimento da Terra é um problema que precisa ser encarado com urgência, sob pena de selar a destruição da própria espécie humana, num futuro que não é tão distante assim. Bush, para satisfazer seus aliados que só pensam em acumular lucros, tem tudo menos uma política ambientalista. Não nós, nem a próxima geração, mas no futuro a humanidade ainda pagará um preço por isso. A Terra, a se julgar pelos filmes da competição em Cannes, 2006, está condenada. Na abertura de The Southland Tales, de Richard Kelly, uma voz anuncia duas vezes que a vida na Terra vai acabar. Kelly sugere que vai ser numa festa. Ele filma uma comunidade reunida para uma comemoração, cheia de bandeiras americanas, e, de repente, explode ao fundo uma bomba atômica. A partir daí, o diretor constrói seu filme coral para discutir sexo, política e vazio existencial no futuro mais ou menos próximo. O filme é de uma pretensão descabida, mais ou menos como A Vida Aquática de Steve Zissou, de Wes Anderson, que integrou a competição do ano passado do Festival de Berlim. Um monte de gente famosa aparece em pequenas participações, mas o relato se desenvolve em torno de um astro (The Rock) que quer realizar um filme chamado O Poder. O que ele cria na ficção é o que está ocorrendo de verdade. Para concluir as informações de hoje, Pedro Almodóvar - de novo. Volver é uma história de fantasmas no sentido figurado, não literal, o que você só vai perceber quando assistir ao filme, que tem reviravoltas e revelações inesperadas. Numa cena, Penelope Cruz canta o tango Volver. É de chorar. Por falar em revelação, Almodóvar fez uma sensacional na coletiva, na sexta. Disse que tinha sido convidado para dirigir O Segredo de Brokeback Mountain, mas não aceitou porque tinha medo de perder sua independência artística em Hollywood. Com Almodóvar, em vez de Ang Lee, as cenas dos caubóis na montanha seriam mais fortes, com certeza, mas até ele não ousaria fazer o que John Cameron Mitchell propõe na abertura de Short Bus. No quinto dia do festival (ontem), Volver, o imortal tango de Carlos Gardel e Le Pera que fornece o título ao grande filme de Pedro Almodóvar exibido na sexta, voltou a ser ouvido na Croisette. Volver, na voz do próprio Gardel, abre o novo filme do finlandês Aki Kaurismaki, que escolheu para terminar Laitakaupungan Valot (As Luzes da Cidade ou, mais exatamente, do Arrabalde) outro tango imortal de Gardel e Le Pera, El Dia Que Me Quieras. Entre esses extremos, Kaurismaki retoma temas e personagens próximos aos de seu filme anterior, O Homem Sem Passado. Só que As Luzes do Arrabalde consegue ser ainda melhor. No mesmo estilo minimal, desdramático e anti-hollywoodiano, Kaurismaki faz o que não deixa agora de ser o seu noir. Um homem simples é envolvido por uma mulher fatal num plano de roubo. Ele sofre o diabo, mas, por amor, não entrega a mulher que o traiu. Felizmente, há outra mulher em cena, tão romântica e digna quanto o herói. Luzes do Arrabalde é maravilhoso. Com Volver e The Wind That Shakes the Barley, de Ken Loach, forma a trinca de grandes filmes exibidos até agora.

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