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Sérgio Ricardo quer fazer musical no sertão

Compositor, cantor e cineasta busca apoio para rodar Estória de João-Joana, antigo projeto inspirado em cordel de Carlos Drummond de Andrade

Por Agencia Estado
Atualização:

É um projeto antigo de Sérgio Ricardo. Estória de João-Joana estava na lista de espera da Embrafilme, no fim dos anos 1980. Aí, veio a era Collor e o desmantelamento da estrutura de produção e distribuição do cinema brasileiro. Desanimado com a política de terra arrasada para a cultura que se havia instalado no País, o cantor, compositor e cineasta desistiu do filme. E aí veio a retomada, que foi se consolidando até chegar ao estágio atual. Sérgio Ricardo admite que começou a sentir cócegas, uma vontade de dirigir. E agora ele busca patrocínio para pôr na tela a história que adaptou do cordel de Carlos Drummond de Andrade. Acha que um projeto como o dele tem tudo a ver com o momento atual. "O presidente Lula está aí, seu governo acena com a perspectiva de se fazer uma verdadeira reforma agrária no Brasil." E isso tem tudo a ver com a história de João-Joana. Ele cita o próprio poema. Diz que é singelo, mas possui uma dimensão social muito forte ao tratar do problema da mulher no sertão. "Lá pelas tantas, o Drummond, no poema, diz que o homem é um escravo no sertão e a sertaneja é a escrava de um escravo." Para fugir a essa miséria, a mãe de Joana a cria como homem. Joana vira João, mas aí surge o amor e... João-Joana, tem estado sempre presente na vida de Sérgio Ricardo nos últimos anos. Inspirou um CD, que agora vai ser a base para o filme. Pois Estória de João-Joana pretende ser um musical brasileiro. Sobre o cordel, Sérgio Ricardo imprimiu a música. Já tem a trilha, que Radamés Gnatalli orquestrou e lhe sugeriu as imagens. "Fui inventando as cenas de acordo com as sugestões do poema e da própria música", ele diz. Essa relação entre música e cinema sempre foi forte na vida de Sérgio Ricardo. Cantor e compositor de bossa nova, fazia uma música sofisticada, perfeita para o registro delicado de sua voz. Ao mesmo tempo, namorava o cinema. Fez o curta O Menino das Calças Brancas, que Glauber Rocha viu. Tornaram-se amigos. Sérgio Ricardo gostava muito de Barravento, o filme de estréia de Glauber, que Nelson Pereira dos Santos estava montando no Rio, no começo dos anos 1960. Glauber chamou Sérgio Ricardo para fazer a música de Deus e o Diabo na Terra do Sol e o resto é história. Sérgio Ricardo alegra-se de saber que o clássico de Glauber está sendo lançado em DVD, iniciando uma nova coleção da Versátil em parceria com a RioFilme. O DVD chega no dia 18 às locadoras e lojas especializadas. "Está lindo, é? Foi restaurado?" Sérgio Ricardo quer saber detalhes. Conta que, ao chamá-lo, Glauber não deixou que ele visse as imagens de Deus e o Diabo. "Ele era muito ciumento com o filme." Glauber já havia criado a poesia de cordel, queria que Sérgio Ricardo fizesse a música e cantasse no filme. "Foi ele que me fez cantar como um artista de feira, naquele tom, com aquela voz." Cordel - Para fazer a música de Deus e o Diabo, Sérgio Ricardo teve de parar com um projeto pessoal - Esse Mundo É Meu, que só fez mais tarde. Conta que, de posse do cordel glauberiano, decifrou o que deveria ser a música em uma hora. Fez uma espécie de rascunho, que levou a Glauber. "Porreta, é isso", exclamou o diretor, que não quis que Sérgio Ricardo mudasse o seu esboço. A música de Deus e o Diabo surgiu assim, mítica como o filme. E Sérgio Ricardo fez seus longas: Esse Mundo É Meu, iluminado pela arte de uma atriz extraordinária, da qual o próprio Sérgio Ricardo não consegue dar notícias. "A Léa (Bulcão) sumiu; acho que andava amargurada porque não reconheciam seu valor." Sim, é verdade: Léa era frágil, mas determinada, possuía um registro que lhe permitia expressar um mundo com o mínimo. Depois, vieram na seqüência Juliana do Amor Perdido, Quatro contra o Mundo (apenas um episódio) e A Noite do Espantalho. Antes desses houve o episódio polêmico da Record, quando ele, vaiado pelo público, quebrou o violão e o atirou na platéia. O cinema de Sérgio Ricardo abandonou o registro neo-realista inicial, substituiu o preto-e-branco áspero pela cor exuberante, mas o fotógrafo foi sempre o mesmo - o lendário irmão do diretor, Dib Lutfi, o homem-câmera, cuja mão era tão firme como se ele próprio fosse uma steady-cam. Sérgio Ricardo pretende fazer João-Joana com o irmão. Não é uma produção muito barata. Sérgio Ricardo diz que o orçamento deve ficar entre R$ 2 milhões e R$ 3 milhões. Admite que é uma dificuldade, para quem está procurando patrocínio, não possuir o orçamento fechado nem ter o filme inscrito na Lei do Audiovisual. "Mas fiquei muito desiludido este tempo todo; agora estou voltando." Explica o orçamento que lhe parece caro: "O filme envolve deslocamentos, será preciso construir um circo mambembe." Pois a história de João & Joana é encenada num circo, como um espetáculo dentro do filme. Daí vem a teatralidade da história, que Sérgio Ricardo acha que conseguirá disfarçar graças à música e ao trabalho com os atores. Esse será fundamental. Ele quer uma atriz desconhecida no papel principal. Ela terá de saber cantar, mas isso não é o mais importante. Poderá ser dublada. A questão é a presença da atriz e também o trabalho de interação que ele pretende fazer com todos os atores, escolhendo não profissionais pelos lugares por onde passar. A tragédia do sertão, Sérgio Ricardo acredita, não é a seca. O inimigo do sertanejo é o próprio homem. Por isso mesmo, ele quer que seja um filme bonito, com uma paisagem exuberante (imagina a Chapada Diamantina). Belo, mas sem cosmética. "João & Joana" estão aí, querendo saltar para a vida. Interessados em participar do projeto podem contatar o diretor pelo e-mail: sergioricardo@ajato.com.br ou pelo fone (0--21) 2717-3461.

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