Sérgio Machado leva "Tristão e Isolda" às telas

Noites de Temporal, adaptação livre do mito medieval, será ambientado na Bahia dos anos 50, no porto de Salvador, com influência de Jorge Amado e Dorival Caymmi

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Por Agencia Estado
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Há seis meses Sérgio Machado trabalha no roteiro de seu novo filme. Volta e meia tem de parar. Foi aos EUA para fazer ajustes nas cópias de Abril Despedaçado. Está eufórico com a indicação do filme de Walter Salles para concorrer ao Globo de Ouro e não só por ser amigo do diretor. Machado foi roteirista, assistente de direção e locação da obra que Salles adaptou do romance de Ismail Kadaré e o Brasil escolheu para disputar uma indicação ao Oscar 2002. A indicação para o Globo de Ouro fortalece as chances de Abril Despedaçado no prêmio da Academia de Hollywood. Além de amigo e colaborador de Waltinho, Machado também é diretor de Onde a Terra Acaba, documentário sobre Mário Peixoto premiado no Festival do Rio BR 2001 e na Mostra BR de Cinema - Mostra Internacional de Cinema. Ele escreve agora o que será seu próximo filme, Noites de Temporal. É uma adaptação livre do mito de Tristão e Isolda. O diretor termina o primeiro tratamento do roteiro. Escreve sozinho. Espera filmar logo. A produção da Videofilmes, empresa de Walter Salles, já está com metade do orçamento - aproximadamente, R$ 3 milhões - garantida. A parceira de Machado é a Brasil Telecom, por meio das leis de incentivo. O baiano Sérgio Machado, de 30 anos, pode ser jovem mas tem histórias para contar. Seu primeiro filme foi o último do lendário Grande Otelo, o ator cuja arte encantou Orson Welles, quando o gênio de Cidadão Kane veio rodar no Brasil o inacabado It´s All True, nos anos 40. É tudo verdade. Machado ainda era estudante de cinema. Fazia seu trabalho de conclusão de curso. Fez, com pouquíssimo dinheiro, o vídeo com Grande Otelo e Léa Garcia. Troca de Cabeça quase não circulou, mas virou cult na Bahia. O filho de Jorge Amado viu o vídeo, pediu uma cópia para mostrar ao pai. Machado quase não acreditou quando um dia recebeu um telefonema do amado Jorge convidando-o para jantar com Zélia Gattai na Casa do Rio Vermelho. Chapa-branca - "Tinha 23 anos e aquilo não parecia verdade", lembra Machado. Houve mais surpresas: sem que ele soubesse, Jorge Amado encaminhou o vídeo para Walter Salles, que gostou tanto do que viu que chamou Machado para trabalhar com ele. Desde Central do Brasil Machado tem integrado a equipe que assessora Waltinho. Foi assistente de direção, fez o casting e as locações de Central do Brasil e O Primeiro Dia. E, em Abril Despedaçado, co-assina o roteiro com o próprio Salles e Karim Ainouz, o diretor de Madame Satã (que já está pronto e Machado afirma ser maravilhoso). Ele aceita a principal crítica que se pode fazer a Onde a Terra Acaba. Seu filme sobre Mário Peixoto, o criador do mítico Limite, apresenta um material riquíssimo, mas é o que se pode chamar de documentário chapa-branca, reverente demais em relação ao polêmico personagem que retrata. Peixoto é um caso na história do cinema brasileiro. Criador de um dos filmes mais cultuados da história do País, virou personagem de si mesmo. "É um filme de fã", Machado admite. Poderia e até deveria ser mais crítico, pois, se o que ele mostra é rico e fascinante, o que silencia poderia esclarecer muito mais os mistérios em torno do autor. "É o que o João (o documentarista João Moreira Salles, irmão de Walter Salles) também diz", confessa Machado. Depois de Troca de Cabeça e Onde a Terra Acaba, ele se lança agora ao projeto ficcional de Noites de Temporal. "É uma ficção jorjamadiana", ele define. "Passa-se no cais do porto de Salvador, nos anos 50; tem prostituta, malandro." Era para ser a sua versão de Tristão e Isolda, mas as referências foram ficando cada vez mais vagas. Persistem no triângulo amoroso, dois homens que amam a mesma mulher, um homem e uma mulher que recriam, ao sul do Equador, uma das mais belas histórias de amor legadas pela Idade Média. A saga de Tristão, filho do rei de Leonis, e de Isolda atravessou os séculos como símbolo da paixão impossível, que rompe barreiras e despreza a honra para se manter acesa. Baianidade - Os mitos de Tristão e Isolda forneceram a base para Noites de Temporal, mas sobre ela Machado construiu uma trama que expõe todos os signos da sua baianidade. As figuras míticas de Jorge Amado, as músicas de Dorival Caymmi (uma delas dá título ao filme). Ele conta que a história começou a mudar em sua cabeça quando teve acesso ao acervo de 10 mil fotos de Pierre Verger, que lhe revelaram uma Salvador que ele não conhecia. Verger será uma referência forte no filme. Esse material visual era tão belo, tão impressionante, que impulsionou Machado a radicalizar uma tendência que Waltinho, Karim Ainouz e ele haviam estabelecido no roteiro de Abril Despedaçado. Machado cria agora um roteiro essencialmente visual. Isso tem a ver com seu amor pelos clássicos do cinema silencioso. Ama Eisenstein, Dovjenko, Carl Theodor Dreyer e King Vidor. Seus clássicos do coração são: O Encouraçado Potemkin, Terra, A Paixão de Joana D´Arc e The Crowd, aos quais se soma A Linha Geral. Influenciado por eles (e por Verger), começou a desenvolver o roteiro todo desenhado, mas que não se confunde com um storyboard. Machado pensa o filme em termos de imagens, mesmo que, dramaturgicamente, reconheça a importância das palavras e não pretenda desistir delas em Noites de Temporal. Ele está entusiasmado com o material. Pensa num elenco predominantemente de atores negros. E aí, inconscientemente, termina antecipando quem talvez estará no filme. Machado não quer citar nomes, mas de repente começa a falar em Lázaro Ramos, o ator baiano que faz o Madame Satã de Karin Ainouz (cujo filme mostra o personagem justamente na fase anterior ao mito). "Lázaro possui grande força cênica e física; é maravilhoso; representa uma nova geração de atores, cheia de vigor e talento." Com tanto entusiasmo do diretor, não será de admirar se o talentoso Lázaro Ramos for integrado às noites de temporal de Sérgio Machado.

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