Sérgio Bianchi ganha mostra de filmes

Exibida no Belas Artes, programação ajuda arepensar o conceito de ‘crueldade’ nas obras filmes do diretor

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Começou na quinta, 18, no Caixa Belas Artes, uma mostra Sérgio Bianchi, com seis filmes do cineasta paranaense nascido em Ponta Grossa, em 1945 – Mato Eles?, Romance, Cronicamente Inviável, Quanto Vale ou É por Quilo?, Os Inquilinos e Jogo das Decapitações. Justificando a homenagem, André Sturm, diretor do conjunto de salas, diz que Bianchi tem uma obra única no cinema brasileiro. “Seus filmes nunca seguem o caminho da moda. São provocantes, mas num sentido contrário ao que manda o bom comportamento, ou o bom-mocismo. Não agradam à esquerda nem à direita.” E Sturm conclui que é um cinema verdadeiramente autoral.

Certíssimo, mas há um antes e um depois na trajetória de Bianchi. Cronicamente Inviável, de 2000, é o divisor de águas. A partir desse filme, o diretor institui uma visão não esculhambada, mas esculhambadora, do Brasil. Seus filmes posteriores, e o mais interessante é Quanto Vale, compartilham a descrença nas ONGs, nos políticos, na sociedade em geral.

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O mundo, e o Brasil especialmente, é povoado por gente que não presta. Já havia um pouco desse sentimento em Mato Eles?, o média de 1982 sobre o genocídio dos índios. Entrevistado pelo diretor, o cacique crava a pergunta – “Quanto você ganha para nos filmar?” Bianchi deixa a interrogação como uma espécie de autocrítica, dele e do cinema brasileiro em geral, que na época já vivia de patrocínio, mas não da renúncia fiscal decretada em lei. Os filmes daquela fase do diretor eram melhores. Além de Mato Eles?, Romance e Causa Secreta. Romance causou mal-estar pelas cenas de sexo, de homo sexo. Causa Secreta gerou protestos pelo rato que era dissecado diante da câmera. O diretor foi chamado de cruel. Poderia dizer que a realidade é que é cruel.

Crítico conceituado, André Bazin reuniu um certo número de ensaios no volume Cinema da Crueldade. Buscando o sentido da crueldade de Antonin Artaud e o aplicando ao estudo de autores tão diversos quanto Erich Von Stroheim, Carl Theodor Dreyer, Preston Sturges, Luis Buñuel, Alfred Hitchcock e Akira Kurosawa, Bazin problematiza os limites entre ética e estética. A obra de Bianchi também é toda ela uma discussão desses limites. A fase do ‘antes’ é mais visceral. O autor joga-se por inteiro, compromete-se. O ‘depois’ passa uma sensação curiosa. Bianchi continua apontando o dedo acusador, mas é como se olhasse de fora, acusando ‘eles’.

Mato Eles?, de apenas 35 min, é a obra-prima do diretor. Investiga reserva do Paraná onde vivem remanescentes de três tribos. Parte da área foi desmatada e as madeireiras se instalaram com a conivência da Funai e do governo do Estado. Eram (ainda) os anos da ditadura e era preciso peito para fazer um filme desses. Romance é sobre como a morte de um intelectual de esquerda repercute em três pessoas, inclusive o amigo gay que radicaliza o discurso sexual do falecido. Causa Secreta, livremente adaptado de Machado de Assis, mostra diretor que cria teatro da crueldade para refletir o momento social. Antes da ‘febre do rato’, Bianchi encenou a tortura do rato. Muito forte.

O restante da obra, e dependendo do ponto de vista, parece menos interessante. Cronicamente Inviável aborda o caos social brasileiro e informa que a luta de classes persiste. Quanto Vale? enfoca a questão do negro antes e depois da libertação dos escravos. Pode-se gostar mais ou menos dessa ou daquela fase. A obra oferece-se em bloco. Profética do País de hoje? São perguntas que a mostra poderá ajudar a responder.

MOSTRA SERGIO BIANCHI. Caixa Belas Artes. Rua da Consolação, 2.423, telefone: 2894-5781. Ingressos: R$ 18 / R$ 26.  Até 24/8

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