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"Separações" abre o ano nacional

Domingos de Oliveira fala sobre o novo filme, que estréia hoje e segue a trilha de Amores, que também foi peça antes de chegar ao cinema

Por Agencia Estado
Atualização:

Sempre houve casamento entre arte e vida para Domingos Oliveira. Seu filme mais famoso, "Todas as Mulheres do Mundo", nasceu do amor do diretor por sua estrela, Leila Diniz. Foi o primeiro longa de Domingos, em 1966, e suscitou polêmica. Numa época marcada pelo engajamento dos diretores do Cinema Novo, a aparente despolitização do diretor valeu-lhe não poucas críticas. Elas continuam até hoje. Domingos não investe contra Ruy Guerra, mas há uma queixa embutida quando ele diz que o cineasta, como jurado do Festival de Gramado, em agosto passado, bateu-se para que "Separações" recebesse poucos prêmios, com a justificativa de que o universo de Domingos seria muito ´pequeno-burguês´. É um rótulo que há mais de 30 anos é aplicado ao diretor e tudo porque Domingos fala sobre o que conhece: personagens de classe média, intelectuais. E fala sobre o amor, superpondo esse tema a todos os outros sobre os quais possa debruçar-se. O amor continua em pauta em "Separações". O viés autobiográfico, também. Cabral, o novo personagem que Domingos interpreta, é um boêmio, diretor de teatro, com todas as dificuldades de outro (anti)herói que o cineasta criou no filme anterior, ´Amores´. "É muito parecido comigo, na verdade sou eu", admite Domingos. Mas ele acrescenta que nunca foi mais ficcional do que aqui. "Afinal, é um filme que trata de separações e Priscilla e eu nunca nos separamos, embora tenhamos vivido todo tipo de problema juntos." ´Priscilla´ é Priscilla Rozembaum, a musa de Domingos. Atriz no filme, colaborou no roteiro e assumiu a direção das cenas em que o próprio Domingos estava diante das câmeras, na dupla função de ator. "Alguém precisava dirigi-lo e eu fiz essa parte", ela conta. Embora esquecido pelo júri nas categorias de filme e direção em Gramado, "Separações" ganhou Kikitos importantes: melhor atriz para Priscilla, melhor atriz coadjuvante para Susana Saldanha. "Tenho muito orgulho do prêmio dela", confessa Domingos. "Foi o primeiro prêmio que recebi na vida", diz Priscilla. "Fiquei tão emocionada e aquilo foi uma surpresa tão grande para mim que subi ao palco do Cine Embaixador - o Palácio dos Festivais de Gramado - e disse um monte de coisas que devem ter soado desconexas." Não faz mal diz o maridão. "Priscilla foi autêntica e emotiva e isso é lindo." "Separações" prossegue a vertente de "Amores", na obra de Domingos Oliveira, que assinava "de" Oliveira, muito tempo atrás. Ambos percorreram a mesma trajetória: primeiro, peças e, só depois, filmes. Até o processo criativo foi muito semelhante. Na passagem para o cinema, "Separações" repetiu o método de "Amores". Domingos gravou, com câmera digital, um pedaço do filme. Captou as cenas, montou de forma a estabelecer a evolução dramática de seu relato. De posse desse material, ele foi ao mercado em busca de patrocínio, usando a Lei do Audiovisual. Encontrou investidores que bancaram o filme e ele então concluiu a captação de cenas e a pós-produção. É o maior adepto do digital. "Dá uma liberdade muito grande, elimina a ditadura da técnica", diz. Domingos acha que se perde muito tempo nos sets de filmagem preparando as cenas. A iluminação é sempre uma dificuldade. O digital facilita tudo. O diretor fica mais livre para improvisar com os atores. É o que ele gosta de fazer, até porque "Separações", tendo sido peça antes de virar filme, já vinha com uma equipe afinada há bastante tempo. Para construir a estrutura dramática da peça e, depois, do filme, Domingos baseou-se num estudo realizado nos EUA sobre pacientes terminais. A partir de centenas de entrevistas, ele conta, os médicos descobriram que todos os pacientes passam pelas mesmas fases, desde a descoberta da doença até a morte: negação, negociação, revolta e aceitação. "Isso não está acontecendo comigo, o exame está errado", é a primeira fase. Na etapa seguinte, a negociação, vêm as promessas. "Todo casal vive o equivalente na relação amorosa", diz o diretor. "Se eu ficar bem não vou mais beber, fumar, vou cuidar da pressão, disso e daquilo." Depois, vem o pior. "É o momento da revoltas contra si mesmo, contra tudo e todos." A fase seguinte é a aceitação e Domingos ainda acredita numa quinta fase, o estado de graça, que é o momento da passagem. No filme, Cabral, o personagem de Domingos, e Glorinha a de Priscilla, atravessam todas essas fases. Alternam momentos de decepção, sofrimento, euforia e depressão. É um filme parar rir e chorar. Numa palavra: para emocionar-se. Domingos já foi comparado muitas vezes a Woody Allen e François Truffaut. Sente-se mais próximo do segundo, que é um de seus autores preferidos. Truffaut era um cético, um romântico que desconfiava do romantismo. Domingos admite que acredita mais no romantismo. Acha que o amor, tema com freqüência chamado de menor, de pequeno-burguês e quetais, na verdade lhe parece o mais importante dos temas. Acredita num cinema de sentimentos, que leve o espectador a compartilhar emoções. E não acha que isso possa ser menor em arte. Diz que seu filme é mais analítico do que psicanalítico sobre o amor. Defende com veemência esse segmento no qual se encastelou como autor: o da comédia romântica urbana. Orgulha-se de ter mostrado "Separações" a muitas (e diferentes) platéias, que reagiram todas da mesma forma: comovidas. "Perceberam o significado humano do que faço." Já tem estrada suficiente para afirmar certas coisas: acha que o roteiro de "Separações" é o melhor que já trabalhou. "Possui profundidade e humor, eu diria que é violentamente engraçado. E atinge a poesia." Depois de "Amores" e "Separações" tem outro projeto sobre relacionamentos, que deve seguir o mesmo trajeto: peça e, em seguida, filme. Esse vai tratar de uniões, de casamentos. Mas não será o próximo filme. Esse será um thriller, que Domingos define como "o seu noir". O título: "No Brilho da Gota de Sangue", sobre a ação individual de um repórter desiludido que luta para depor o chefe de polícia. "É um roteiro maravilhoso", anuncia Priscilla, que terá um papel pequeno mas importante na trama. Será a mulher fatal? "Não, pelo contrário, uma esposa compreensiva", ela define. "No Brilho da Gota de Sangue" narra uma história desenrolada nos anos 1940 e será interpretado por Paulo José e Pedro Cardoso. Domingos está em captação. O projeto prevê recursos para filme, peça e até livro. O diretor está entusiasmado, mas não é porque tenha a expectativa de que a mudança de rumos o coloque numa via mais politizada. "Meu cinema vai sempre tratar de sentimentos", garante. Serviço - Separações. Comédia romântica. Direção de Domingos Oliveira. Br/2001. Dur. 119 min. 16 anos

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