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'Sem Escalas' falha na pretensão de ser algo além de um bom passatempo

Filme até que tem seus bons momentos, mas apenas alguns

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Em Sem Escalas, de Juame Collet-Serra, Liam Neeson é Neil Marks, um agente de segurança de voo colocado em situação no mínimo intrigante.

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Marks é aquele tipo de profissional que, depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, embarca, de maneira aleatória, em voos comerciais para fiscalizar o que se passa a bordo e, eventualmente, prevenir sequestros de aviões. Anda armado. Collet-Serra faz dele um personagem complexo, porque alcoólatra e, portanto, sob desconfiança geral dos seus empregadores, precisa, além de desempenhar a contento sua arriscada função, provar aos outros que está reabilitado.

Também original é o meio pelo qual a ameaça se expressa. Em seu smartphone, Marks recebe, durante o voo, ameaças de alguém que se diz a bordo. Este exige que lhe seja depositada uma determinada quantia em certa conta bancária numerada no exterior, caso contrário um passageiro morrerá a cada determinado período de tempo. No mesmo avião, está a passageira Jen Sommers (Julianne Moore), que viaja na poltrona ao lado do agente. Sem Escalas bem que tem a pretensão de ser mais que entretenimento. A começar pelo elenco, com um casal de atores da pesada como Liam Neeson e Julianne Moore. Em seguida, pelas pequenas espetadas críticas na paranoia americana, já bem tradicional e enraizada em sua cultura, e apenas potencializada pelo atentado de 2001. Note bem: trata-se de crítica suave, que não pretende ironizar em excesso e muito menos se indispor com a superpotência. Serve apenas para dar um verniz mental à coisa, só isso e nada além. Além do mais, Sem Escalas joga com o conceito de que um meio de transporte é também um microcosmo. Quer dizer, há, num avião que vai de Nova York a Londres, gente de todo tipo e, desse modo, tem-se lá uma potencial representação da sociedade. John Ford já havia feito a mesma coisa em No Tempo das Diligências, inspirado, é claro, no fabuloso conto de Guy de Maupassant, Bola de Sebo. Essa é uma ideia que vem de longe. Cada personagem representa um extrato da sociedade, com seus vícios e virtudes, o que permite, pela observação do conjunto, uma espécie de corte transversal do mundo em que vivemos. No caso de Bola de Sebo, e de No Tempo das Diligências, uma personagem importante era a prostituta, em geral colocada no último degrau da sociedade, mas que, por isso mesmo, pode se dar ao luxo de lançar uma visão privilegiada sobre o estatuto moral das camadas, digamos assim, superiores. Das diligências aos jatos modernos, o que temos em termos de amostra populacional, além do policial chegado aos aditivos etílicos? Uma senhora tão problemática quanto atraente (Moore), um loira de corpo espetacular e mente nem tanto, um rapaz negro de ar folgado, um senhor de etnia árabe, por isso automaticamente suspeito, um tira da polícia de Nova York, truculento, bem-intencionado e burro, alguns cidadãos e cidadãs anódinos, e por aí vai. O que se pode dizer é que essa mescla social, colocada numa situação de emergência, não dá muita liga. Embora alguns preconceitos aflorem, contra negros, contra árabes, etc., não são eles que conformam o foco crítico do filme. Nem mesmo a capacidade de recuperação do protagonista, às voltas com um terrorista, mas também com seus terrores internos. O foco, para valer, é na tensão produzida por um sequestro de avião. Ou seja, aquela situação claustrofóbica, na qual ninguém pode pedir para descer, simplesmente. Nesses termos, Sem Escala até que mostra bons momentos, alguns apenas. A pretensão inicial de ser algo além de um bom passatempo não se sustenta, obviamente.

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