Selton Mello filma na Islândia papel de artista plástico em crise

A ideia de filmar na Islândia surgiu da experiência dos diretores, que se apresentam como 300ml, no mercado internacional

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Por Flavia Guerra
Atualização:

Só pela premissa, Soundtrack merece atenção. Mas a história vai além e traz Selton no papel de um artista multimídia que, ao passar uma temporada em uma estação de pesquisa internacional isolada, entra em crise de identidade. "É um filme muito peculiar. É a história do Cris, que faz exposições em que usa imagens e trilhas sonoras", conta Selton Mello, o protagonista.

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Criado pela dupla de diretores 300ml, que em vez de seus nomes próprios prefere usar o nome comercial, o projeto fisgou a atenção de Selton pela originalidade. "Este filme é importante. Poucas vezes a gente pensa em se comunicar com mundo. Soundtrack já nasce com este desejo. Além de ser falado em inglês, tem questões universais", observa o ator, que já trabalhou com a 300ml no curta Tarantino’s Mind, também ao lado de Seu Jorge.

Quando, há sete anos, a dupla aceitou trabalhar no curta - sensação em festivais, já visto por mais de um milhão de pessoas na internet, foi exatamente a originalidade que atraiu os protagonistas. "Os meninos da 300ml têm uma maneira de pensar o cinema muito única. Não vejo isso em nenhum lugar do Brasil. E mesmo no exterior é raro", explica Mello. "Me identifico tanto com as questões do meu personagem quanto com os diretores, que estão buscando seu cinema, com sua voz e sua forma de expressar. É isso que o Cris faz. E nós também", declara o ator. Selton deixa claro que Soundtrack "está a léguas de ser um filme cabeça." "Tem muito humor, é comovente, a irmandade e a amizade que unem os personagens, todos no meio do nada. É original."

O longa conta a história de Cris, um artista multimídia que busca seu lugar no concorrido mundo das artes. Ao conseguir permissão do governo brasileiro para passar uma temporada em uma estação de pesquisa internacional na Islândia, seu objetivo é criar uma mostra que misture fotografia e música.

"Quando o filme começa, ele está na pindaíba. Não tem mulher, nem família. Nada a perder. E ele consegue a liberação para ir para este centro de pesquisa e testar seus limites. E vai para um lugar totalmente inóspito fotografar a neve e captar sons do lugar. Isso depois vai gerar uma exposição nova", conta o ator. "Só que ele se depara com outro mundo, conhece pessoas com outra cabeça, outra forma de lidar com a vida. E tudo muda", continua Mello. "É um cinema da estranheza, das trilhas que ele percorre, deste deslocamento que já é em si cinematográfico, que simboliza a viagem interior dele", completa o ator.

A ideia de filmar na Islândia surgiu da experiência do 300ml no mercado internacional. "Para filmar trabalhos publicitários, nunca tivemos a limitação de restringir nossos vídeos ao Brasil. E nós já tínhamos esta cabeça aberta quando escrevemos o roteiro", conta um dos diretores da 300ml, que no final de abriu realizou uma viagem de reconhecimento de locações na Islândia.

"A ideia é que o Cris vai atrás de uma paisagem que não tem formação nenhuma. Ele quer colocar um fone de ouvido, ouvir uma música e se fotografar. A ideia é que, ao entrar em uma sala da exposição, o público coloque o fone e escute a música que ele estava ouvindo quando clicou a foto. Sua relação com a música é muito forte. Daí o titulo", explicam os diretores. "Não queríamos que a paisagem interferisse na relação dele com o espectador. Por isso, queríamos uma paisagem plana, o nada. E a neve veio daí. Penamos na Patagônia, no Alasca. E veio a Islândia, que, além de ser um lugar único, tem a vantagem de que não é preciso se deslocar muito para filmar. Isso é ótimo em questões de logística", completam os diretores.

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Entre idealizar sua mostra e realizá-la, Cris se depara com os cientistas que vivem na base de pesquisa e que o farão rever seus pontos de vista. Um deles é Mark, um inglês que estuda o aquecimento global. "Isso mexe com ele, um cara egocêntrico que vai até lá para bolar uma exposição. Ele se depara com outro que está estudando algo muito mais amplo, que vai gerar resultado para daqui cem anos", diz o 300ml.

"Ele se sente um nada. E pensa: ‘Estou aqui fazendo arte para uma exposição e o outro faz algo para a humanidade’. Isso muda seus conceitos. Há nisso uma discussão do que é a arte, qual a importância dela em face de coisas que são muito maiores", diz o 300ml. "Surge a questão do que é a arte, é marketing, sucesso, arte vendável. E isso também tem a ver com o cinema", diz Selton.

Irmandade. Além de Mark, há Cao, um botânico, vivido por Seu J0rge, que faz pesquisas sobre a flora em situações extremas. E há um biólogo chinês chamado Huang. "Todos fazendo estudos, longe da família, com questionamentos. Eles se aproximam e surge uma irmandade. É um filme bonito e inusitado", diz Selton.

O diretor de fotografia Adriano Goldman e o designer Oskar Metsavaht completam a equipe do filme. Diretor criativo da grife Osklen, Metsavaht vai cuidar do concept design de Soundtrack. "A Islândia é linda e a estamos usando para ser um lugar inóspito. Encontramos locações muito boas", conta ele.

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"Nós três criamos situações dramáticas. E eu pude já pensar a identidade visual de tudo", diz Oskar, que vai unir sua formação em medicina à de designer. "Sou médico e vou cuidar para que tudo tenha veracidade científica, dos containers aos uniformes e à cenografia", explica, ressaltando que também é fotógrafo e vai clicar as fotos de Cris que aparecem no filme. "Vou incorporar o personagem, me colocar na pele dele para realizar as imagens. No futuro, isso vai virar uma mostra real. É um filme de fato em 3D."

Selton, por sua vez, prefere só conhecer a Islândia em março de 2015, quando Soundtrack será rodado. "Vai estar tudo branco. Quero sentir o mesmo estranhamento que o Cris sente. Será especial."

‘Não podemos nos limitar às comédias’, diz Selton

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Foi difícil encontrar distribuidor para ‘Soundtrack’. Por quê?Muito. Só Wilson Feitosa, da Europa Filmes, embarcou na ideia. Hoje em dia é só comédia. A gente chega para vender um projeto e a primeira pergunta é: "É comédia?". Sou absolutamente a favor das comédias. É a primeira vez que chegamos próximo de um mercado, graças às comédias. Só que nós não podemos fazer só um gênero. Se assim o fosse, não existiria o Kleber (Mendonça, de O Som ao Redor) ou o Júlio Bressane.

Você tem atuado menos e dirigido mais. Por quê?Porque sempre procuro coisas diferentes dos filmes que já fiz. Meu tesão tem vindo de projetos como Soundtrack, que são estimulantes, oferecem algo com frescor. Não é sempre que aparece um filme assim. E por isso tenho me dedicado muito aos projetos como diretor.

Como estão estes projetos? Estou finalizando a terceira temporada de Sessão de Terapia, que estreia no dia 4 de agosto. E escrevendo o roteiro do próximo filme, em parceria com o Marcelo Vindicatto, baseado no livro Um Pai de Cinema, do Antonio Skármeta. Devemos rodar em 2015.

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