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Scorsese realiza sonho de 40 anos com "Gangues de NY"

Desde que se tornou cineasta, Scorsese pensava em levar às telas uma história que remonta à origem dos EUA. Em entrevista à Agência Estado, o diretor conta esperar que seu filme, que estréia no Brasil em 7 de fevereiro, responda à pergunta "O que é ser norte-americano?"

Por Agencia Estado
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Em seu discurso de agradecimento na cerimônia de premiação do Globo de Ouro, no último domingo em Los Angeles, Martin Scorsese assumiu ter assinado a obra mais pessoal de sua carreira. "Eu tinha sete anos quando ouvi pela primeira vez histórias de Manhattan no século 19. O filme é um sonho que eu tento realizar desde que me tornei cineasta, há quarenta e tantos anos", disse Scorsese, referindo-se ao épico Gangues de Nova York, que lhe valeu o Globo de melhor diretor e promete colocá-lo na disputa pelo Oscar da categoria. Talvez seja a chance de a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood se redimir do descaso. Aclamado por Taxi Driver, Touro Indomável, Depois de Horas e Cassino, entre outros, Scorsese sempre saiu das cerimônias em que concorreu ao Oscar de diretor de mãos abanando. Na última vez que brigou pela estatueta por Os Bons Companheiros, em 1991, perdeu para Kevin Costner por Dança com Lobos. Scorsese ainda leva o crédito de ter revelado astros como Robert De Niro, Harvey Keitel e Jodie Foster no cinema. "Minha maior realização é levar às telas uma história que remonta à origem dos EUA", contou o cineasta de 60 anos, que buscou inspiração no livro homônimo de Herbert Asbury, publicado em 1928, para dirigir Gangues de Nova York. "Meus avós eram imigrantes e eu cresci no bairro em que a história é ambientada, conhecido na época como Cinco Pontos (praça onde desembocam cinco ruas e que hoje está localizada no bairro do SoHo). Ao perambular por aquelas ruas ainda criança, já descobria vestígios de um período relativamente desconhecido da história norte-americana." A partir de 7 de fevereiro nos cinemas brasileiros, a superprodução retrata, como o título já adianta, as brutais guerras de gangues de Manhattan, de 1846 a 1863. Leonardo DiCaprio interpreta um irlandês que vê o pai ser morto pelo líder da gangue de italianos (Daniel Day-Lewis) e jura vingança. "Espero que o filme responda à pergunta: O que é ser norte-americano?. Os Estados Unidos deveriam ser um país que acolhesse todas as nacionalidades do mundo." Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Scorsese concedida durante almoço com a reportagem da Agência Estado, em Cannes. O que o impediu de rodar "Gangues" no passado? Martin Scorsese - Gangues é o tipo de filme que Hollywood evita fazer. É grande, caro, artístico e ainda não oferece a possibilidade de alavancar o faturamento com o lançamento de produtos licenciados, sejam bonecos dos heróis ou associação com redes de lanchonetes. Para piorar, os cenários tiveram de ser construídos (nos estúdios Cinecittà, em Roma). Nova York mudou radicalmente desde o século 19. Não é como a Inglaterra que ainda conserva edifícios seculares, onde muitos épicos são realizados sem grandes investimentos. Como conseguiu finalmente o dinheiro? Há quase quatro anos consegui convencer o vice-presidente da Miramax, Harvey Weinstein, a abraçar o projeto. Não foi fácil porque o estúdio, até então, não costumava desembolsar tanto dinheiro em um único título. E o orçamento ainda estourou em 25% (atingindo os US$ 115 milhões), fazendo de Gangues a produção mais cara da história da Miramax. Foi uma exigência da Miramax escalar chamarizes de bilheteria, como Leonardo DiCaprio e Cameron Diaz? Não. Escolhi Leo porque ele é perfeito para o papel de Amsterdan. Fiquei de olho nele desde que Bob (Robert De Niro) o elogiou após contracenar com Leo, ainda menino, no drama O Despertar de um Homem (1993). A princípio, o papel de Bill, O Açougueiro, seria de Bob. Mas, como o projeto demorou para sair do papel, escolhi Daniel (Daniel Day-Lewis), que eu já havia dirigido em A Época da Inocência. Eu vi Cameron (que vive a prostituta Jenny) pela primeira vez na comédia Quem Vai Ficar com Mary?. Naquele momento me perguntei: "Quem é essa garota?". DiCaprio foi indisciplinado durante a filmagem, como noticiou a imprensa italiana? Não me recordo de ter chamado a atenção dele. Nós fechamos o set porque precisávamos de mais concentração e queríamos impedir a entrada da imprensa. Bastou isso para que começassem a falar de desentendimentos no set. Se Leo curtia mesmo a noite em Roma, como os tablóides noticiavam, eu não sei. Mas garanto que ele não deixou isso afetar o seu rendimento no trabalho. Nunca chegou atrasado. Por que o filme demorou tanto na mesa de edição, já que as filmagens foram encerradas em abril de 2001? O filme significa tanto para mim que jamais conseguiria editá-lo de qualquer jeito. É mesmo um projeto pessoal. Como o material ficou com mais de 3 horas, demorei para fechar a produção em 2 horas e 40 minutos, uma exigência da Miramax. Com a idade, ainda estou ficando cada vez mais lento (risos). "Gangues" reforça a sua fascinação pelo submundo de Nova York. Sempre me interessei pelo que acontece quando o homem é obrigado a sobreviver em um mundo hostil. Naquela época as pessoas tinham de ser ainda mais duras para conseguir sobreviver. Havia uma certa agressão mesmo quando elas se amavam. Só espero que o filme deixe claro a futilidade da violência e da intolerância entre os homens. Nesse sentido, a sociedade não mudou muito de "Gangues" para cá. Talvez por isso seja tão importante que os jovens vejam o filme. A intolerância, quer seja frente a diferentes raças, línguas, crenças, classes sociais ou religiões, só gera brutalidade. O episódio de 11 de Setembro foi mais um exemplo disso. O que me deixa mais triste é que a minha fascinação por Nova York nasceu justamente dessa sua diversidade humana e cultural. Já houve quem dissesse no passado que, se a democracia não desse certo em Nova York, onde diferentes culturas dividem o mesmo espaço, não daria certo em nenhum outro lugar.

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