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Saura explora a dor do flamenco em documentário

Batizado simplesmente Flamenco, longa do diretor espanhol reúne mestres da arte da Andaluzia para devolver à música sua dimensão histórica

Por Agencia Estado
Atualização:

Em seu maravilhoso livro sobre arte hispânica, O Espelho Enterrado, Carlos Fuentes fala do flamenco como um espasmo de dor que dança e canta. Essa dor, que se mistura no fundo da alma ao prazer sensual, está presente o tempo todo neste lindo documentário de Carlos Saura, singelamente chamado de Flamenco. Como se, ao usar o simples substantivo, Saura não quisesse ir além da própria coisa, esta em si já suficiente: a imensa, generosa, insondável arte musical da Andaluzia. O flamenco em si já é tão importante, e são tão fantásticos os artistas que o interpretam, que Saura se despoja de todo o resto. O cenário é uma estação de trens abandonada em Sevilha. Esse é o palco. O restante é canto, música de guitarra, dança - interpretados por artistas como Paco de Lucía, Manolo Sanlucar, Lole Manuel, Tomatito, Remedios Amaya, Juana la del Revuelo. Há muito pouco diálogo, pois a música e a dança devem marcar sua presença, sem que as palavras as expliquem ou perturbem. A dança flamenca? Lorca dizia que as bailarinas eram "mitad bronce, mitad sueño". Saura só não abre mão de um recurso adicional: a fotografia inspirada de Vittorio Storaro, um mago da iluminação, que veste sons e corpos com suas cores precisas. Um filme para escutar? Para ver? Sim, mas não apenas. Há algo de sensorial, de misterioso nessa mistura fina organizada por Saura. Ele não apenas reuniu os melhores, num ambiente favorável, sob uma luz amiga e os registrou com sua câmera amorosa. Conseguiu alguma coisa mais. Se você prestar atenção, ou nem isso, se simplesmente se deixar levar, verá que Saura consegue conduzi-lo ao fundamento dessa arte antiga e desesperada. Há algo que exala desse filme, algo mágico, que toca os antigos lamentos árabes, o sofrimento cigano, a diáspora - tudo o que, dessa dor secular, atingiu o sublime. Flamenco devolve à música sua dimensão de História.

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