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São Paulo recebe "O Xangô de Baker Street"

Por Agencia Estado
Atualização:

Miguel Faria Jr. fazia a direção de produção de Tieta do Agreste, que Cacá Diegues adaptou do romance de Jorge Amado. A equipe filmava no interior da Bahia. Por aquelas semanas, Jô Soares lançava O Xangô de Baker Street, que logo virou um sucesso editorial. Faria Jr., como milhares de brasileiros, leu o livro e gostou. Quando o produtor de Tieta, Bruno Stroppiana, da Skylight, anunciou que havia comprado os direitos de adaptação para o cinema e o convidou para a direção, ele aceitou, mesmo sabendo que teria grandes desafios (e cobranças) pela frente. Na verdade, não foi tão simples assim. A aceitação, por parte do diretor, não se fez sem muitas dúvidas. De todos os seus filmes, esse talvez tenha sido o único que não nasceu como um projeto dele. Era um projeto de Stroppiana. Faria Jr. foi um diretor contratado. Não chegou ao filme com um discurso preparado para passar suas idéias. Na verdade, ele gostara do livro, achara divertido e pronto. Trabalhando na adaptação descobriu o projeto que queria fazer. Fez o seu filme, a sua versão. Hoje está convencido de que, se dessem a 20 diretores a tarefa de adaptar o Xangô, o resultado seriam 20 filmes diferentes. "Há um material muito rico e diversificado para trabalhar no filme." Faria Jr. sabe que é suspeito, mas gosta do filme. Acha que o público também está gostando. Lançado com 25 cópias no Rio e em Brasília, na sexta passada, Xangô foi visto por 40 mil espectadores no fim de semana. Isso dá 1,6 mil espectadores por cópia. Um número que anima expectativas em relação ao lançamento que agora está sendo feito em São Paulo, com mais 26 cópias, na capital e no interior. Na semana que vem, Faria Jr. acredita que terá um quadro mais amplo e consistente da relação de Xangô com o público. É um filme de crise para ele, mas Faria Jr. explica o que é, exatamente, essa crise. Na medida em que não foi um filme que ele escolheu, mas foi escolhido para fazer - e na medida, também, em que se trata de um filme narrativo, feito para contar uma (boa) história -, Xangô lhe colocou muitos problemas. O maior deles talvez tenha sido o de se questionar, internamente, sobre a função social do cinema. Quando Faria Jr. começou a dirigir, no fim dos anos 60, sua geração e ele próprio acreditavam no cinema como uma arma para mudar o mundo. O mundo mudou, não exatamente do jeito que ele gostaria. O cinema mudou. Hoje, depois de sua experiência como secretário do Audiovisual, participando do esforço para dar viabilidade para o cinema brasileiro, após os anos de chumbo do governo Collor, com sua política de terra arrasada para a cultura, ele está convencido de que cinema é entretenimento. Mas, atenção: o diretor xiita de Pecado Mortal não vendeu sua alma ao cinemão, tal como pode ser feito no País. Está convencido de que a história de O Xangô de Baker Street é daquelas que merecem ser contadas. Procurou contá-la da melhor maneira possível. Para isso, admite que teve de rever seus conceitos de cinema, teve de aprender muita coisa de produção e direção mesmo - coisas relativas ao uso do som, da música -, tudo para melhor servir à história que queria contar. E por que ele queria tanto fazer isso? "Porque a história de Xangô começa séria e não é séria, tem humor mas não é comédia, tem suspense e não é um um policial clássico ou um thriller; essa mistura de gêneros, a possibilidade de brincar com eles me atraiu bastante; e há o fato de que, embutido nessa história de Sherlock Holmes no Brasil está o conceito da globalização que hoje assola o mundo." Uma brincadeira, certo, mas uma brincadeira que não é alienada nem alienante e procura tratar de temas graves que até hoje permanecem sem solução no País. Aliás, Faria Jr. nunca quis fazer de Xangô um filme de época com uma visão distanciada, do tipo: "É passado e pronto." Na sua concepção, o interessante era olhar Xangô com olhos de hoje, tentando entender o Brasil, de que maneira certas coisas mudaram para permanecer as mesmas. "Por exemplo, por que no Brasil do império as pessoas pagavam caro para ver Sarah Bernhardt representar em francês, se nem entendiam a língua?" Acha que essa macaquice permanece e pode ser aplicada ao cinema. O público, afinal, continua preferindo o cinema americano, mas nesse caso tem tem outra opção. O mercado está formatado para a produção de Hollywood. No processo de adaptação, Faria Jr. teve a assessoria da escritora Patricia Melo, que também adaptou, para Flávio Tambellini, do romance de Rubem Fonseca, o recente Bufo & Spallanzani. Com o roteiro já definido, praticamente pronto, chamou Marcos Bernstein, de Central do Brasil, para dar o acabamento final. Teve só um encontro com Jô Soares. O escritor não interferiu nem mesmo opinou no roteiro, mas deu uma ajuda fundamental. Veio dele a indicação do nome do ator português Joaquim de Almeida para fazer o papel de Sherlock. Por meio de Joaquim, Faria Jr. chegou à atriz, também portuguesa, Maria de Medeiros, que faz Sarah Bernhardt. "Precisava de um atriz que falasse francês; a Maria é ótima, foi atriz da Comédie Française; chegou a excursionar pelo Brasil, certa vez, representando em francês e, como ela contou, durante aquela viagem um dos assuntos preferidos da trupe era comparar a temporada deles com a da grande Sarah no Brasil do século 19." Houve muitas dificuldades. Faria Jr. não abriu mão de fazer o filme com um acurada pesquisa de época. Isso encareceu a produção, que bateu nos R$ 10 milhões (cerca de US$ 3 milhões). Estão na tela, você vai ver. Outro problema, ou desafio, era o tom do filme. Faria Jr. conta que seu diapasão foi Marco Nanini, que tem essa facilidade de transitar entre comédia e drama. Outro desafio foi estrutural. O filme narra uma derrota de Sherlock Holmes, é anticlimático no desfecho. "Foi uma jogada arriscada, mas acho que o público gosta", observa, a partir do resultado de bilheteria no Rio. Outro dia, ele viveu uma experiência curiosa. Reviu Pecado Mortal na TV. Um filme todo em planos-seqüências, radical na forma e no conteúdo, com sua crítica visceral da família burguesa. Faria Jr. é o primeiro a defender aquele filme no momento em que foi feito, mas se achou pouco generoso com o público. Acha que Xangô é mais generoso, na sua vontade de contar uma história que tem beleza, emoção e discute a verdade e a mentira, para o diretor um tema fundamental no cinema, que vive e se desenvolve entre esses extremos. Faria Jr. não coloca nesses termos, mas tudo o que diz aponta para uma conclusão: Xangô é um ato de amor ao cinema e ao público. Ele não cobra mas no fundo espera que os espectadores retribuam. O Xangô de Baker Street. Suspense. Direção de Miguel Faria Jr. 14 anos.

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