Hollywood recorre a Sandra Bullock quando o papel exige aquela característica que os americanos definem como "the girl next door" (a garota da casa ao lado). Dona de uma beleza comum, a atriz de 38 anos não se importa em colecionar mulheres atrapalhadas, inseguras e carentes em sua galeria de personagens. "A mulher comum também merece ser representada nas telas", afirmou Bullock, protagonista de mais uma comédia romântica, Amor à Segunda Vista, que estreou no Brasil na última sexta-feira. "Nunca fui o tipo de mulher que as pessoas sonham em ver nua no cinema", disse a atriz, escalada para viver uma advogada cerebral, recalcada e mal-aproveitada pelo chefe milionário (interpretado pelo inglês Hugh Grant). A nova produção, com direção de Mark Lawrence, reserva várias situações constrangedoras à protagonista, incumbida de escolher até as roupas do patrão. Lucy Kelson, sua personagem, ainda precisa encontrar um banheiro às pressas depois de se entupir de cachorro-quente. "Desde que divirta a platéia, encaro sem problemas uma humilhaçãozinha. Até porque nunca soube bancar a estrela mesmo." Filha de uma cantora de ópera alemã e de um professor de dicção americano, Bullock descobriu a vocação para o showbiz cantando no coral de uma produção estrelada pela mãe. "Ainda fui líder de torcida", brincou a atriz, com cachê atualmente na faixa dos US$ 15 milhões em Hollywood. Sem planos de se casar ou formar uma família, Bullock prefere se dedicar integralmente à profissão. "Nem toda mulher tem necessidade de ser mãe. Se eu não tivesse me tornado uma atriz, talvez estivesse em casa cuidando de crianças. Quando a minha hora chegar, talvez faça isso. Por enquanto, ainda sou muito egoísta. Estou exatamente onde sempre quis estar." Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida em Cannes. Agência Estado - Você não teme ficar limitada ao gênero, fazendo tantas comédias românticas? Sandra Bullock - Antes de Amor à Segunda Vista, eu rodei o thriller Cálculo Mortal, onde interpretei uma policial muito distante das heroínas românticas anteriores. Mas não vou abandonar o gênero por ter a minha imagem associada às comédias românticas. Sempre procuro encontrar novas formas de atuar no mesmo segmento. Diferentemente do que as pessoas pensam, as comédias são muito difíceis de fazer. Também é duro encontrar um roteiro bem escrito e um parceiro com quem se possa fazer uma boa dobradinha nas telas. Pensa em repetir a parceria com Hugh Grant, assim como várias duplas que fizeram história na era de ouro de Hollywood? Hugh e eu temos o mesmo timing para comédia. Se encontrarmos um roteiro que tenha o nosso perfil, por que não? Seria maravilhoso reeditar as parcerias que eram comuns nos anos 30. Só faço questão que a produção seja feita novamente sob medida para nós dois. Em Amor à Segunda Vista, tivemos a sorte de ter o roteirista e o argumentista do filme à nossa disposição, sempre sugerindo novos diálogos, conforme as situações iam surgindo no set. Na sua opinião, as comédias românticas são subestimadas aos olhos dos críticos? Isso é um reflexo do mundo atual, que destila cinismo. Antigamente a platéia se emocionava com mais facilidade, deixando-se levar por aquela aura de inocência. Hoje, o único jeito de tocar o público é realizar comédias românticas que não têm medo de correr riscos, em que seus personagens têm algo a perder. É o que eu procuro fazer. Sua personagem em "Amor À Segunda Vista" é uma advogada que acaba bancando a babá do cliente. Como é a sua relação com a sua assistente pessoal? Cuido da vida dela tanto quanto ela cuida da minha. Eu seria uma ótima assistente. Gosto da idéia de organizar e principalmente controlar a vida das pessoas (risos). Durante a filmagem, surgiram boatos de que você estaria namorando Hugh Grant. Como Hugh é um tremendo piadista, assim que lhe perguntaram como foi contracenar comigo, ele respondeu que a parceria tinha dado tão certo que eu estava grávida (risos). Os tablóides ingleses aproveitaram a piada para iniciar as especulações. Fiquei aborrecida no início, confesso. Mas acabei rindo também. Afinal de contas, a mídia sempre tenta forçar uma situação romântica quando dois atores solteiros fazem par romântico nas telas. Quando caiu nas graças de Hollywood (ao dirigir o ônibus desgovernado em "Velocidade Máxima"), você disse que não se achava bonita o suficiente para posar de estrela. Isso já mudou? Não. Eu sempre tive consciência de que não sou uma mulher de parar o trânsito, uma deusa. Não foi graças aos meus atributos físicos que eu ingressei nesse negócio. Mas não reclamo. Pelo contrário. Por ter tido a sorte de não precisar me apoiar na beleza, pude interpretar tipos diferentes no cinema. Qualquer mulher pode ficar bonita na tela, desde que passe pelas mãos dos cabeleireiros e maquiadores antes de pisar no set. Talvez seja isso o que eles chamam de "magia do cinema" (risos). Fora das telas, há dias em que eu me acho bonita. Em outros dias prefiro não parar diante do espelho.