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Sai em DVD filme baseado em roteiro de Kurosawa

Com Depois da Chuva, Takashi Koizumi concluiu projeto inacabado do mestre do cinema japonês, de quem foi assistente por quase 30 anos

Por Agencia Estado
Atualização:

Pode ser que Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu tenham sido até melhores do que ele, e os japoneses, em geral, pensam assim. Mas, no Ocidente, quando se fala em cinema do Japão, a associação imediata é sempre com Akira Kurosawa. Os samurais do mestre entraram para o imaginário dos cinéfilos de todo o mundo a partir da consagração de Rashomon no Festival de Veneza de 1951. Três anos mais tarde, de novo em Veneza, Os Sete Samurais dividiu o prêmio especial do júri com A Estrada da Vida, de Federico Fellini. E, em 1980, Kagemusha, a Sombra do Samurai, dividiu a Palma de Ouro, em Cannes, com O Show Deve Continuar (All that Jazz), de Bob Fosse. Até a Academia de Hollywood rendeu-se à genialidade de Kurosawa e, em 1975, ele ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro por Dersu Uzala. Nos anos 1990, novo Oscar, este especial, de carreira, recebido das mãos de George Lucas e Steven Spielberg. Tudo isso é para dizer que está sendo lançado em DVD o filme baseado no roteiro que Kurosawa deixou inacabado ao morrer, em 1997. Chama-se Depois da Chuva, é dirigido por Takashi Koizumi e o lançamento é da Europa. A escolha de Koizumi foi a melhor possível: assistente do mestre por quase 30 anos, o diretor de Depois da Chuva sabia exatamente o que ele queria com essa história de samurais. Tentou permanecer fiel ao espírito do autor e, mesmo que eventualmente tenha falhado, o próprio roteiro tem um desfecho abrupto, inconclusivo, que permanece com o espectador após a projeção. Indica que alguma coisa talvez estivesse se passando com Kurosawa. É a história de um samurai que subverte os códigos de honra da profissão ao lutar por dinheiro. Não importa que ele o faça por uma causa nobre: ajudar os pobres pensionistas da estalagem na qual se hospeda. Eles mal têm o que comer. O problema é que um samurai não pode lutar por dinheiro. Ao fazê-lo, o herói de Depois da Chuva transgride uma norma de conduta que deveria funcionar como dogma. Torna-se um pária por isso. Em momento nenhum deixa de ser um personagem de comovente grandeza. Chega a deculpar-se com os adversários a quem, eventualmente, causa mal com sua espada de justiceiro. Tanta nobreza termina por irritar o suserano que pretendia contratá-lo como mestre de esgrima. Paradoxo - Em filmes como Os Sete Samurais e Yojimbo, que foram refilmados por Hollywood - e o segundo também originou a tendência chamada de spaghetti western, ao ser transformado por Sergio Leone em Por Um Punhado de Dólares, com Clint Eastwood -, Kurosawa foi um dos autores que transformaram esse código de honra numa manifestação superior de arte. Não era o único fazê-lo, claro, e com todo o respeito por ele e também por Mizoguchi e Ozu, se fosse preciso escolher uma só obra-prima do cinema japonês seria, talvez, Rebelião, de Masaki Kobayashi, que termina com o duelo entre dois espadachins, interpretados por Tatsuya Nakadai e Toshiro Mifune, no qual um deles leva esse código pessoal de honra ao limite do sacrifício. Koizumi fez um filme plástico, de ritmo um tanto lento. Kurosawa talvez tivesse acelerado mais sua narrativa. Era, até, um dos motivos pelos quais não conseguia ser uma unanimidade no Japão. Influenciado pelo cinema americano de ação (o western), tanto quanto pela grande literatura russa (Dostoievski e Máximo Gorki) e pelo neo-realismo italiano (em Viver e Ralé), Kurosawa ficou conhecido como o mestre do paradoxo e do movimento. Criou obras belíssimas e o desfecho em aberto de Depois da Chuva, à espera de algo que não ocorre, está à altura dessas criações memoráveis. Fãs do grande artista gostarão de saber que ele foi homenageado em Cannes, este ano, com uma exposição de seus desenhos. Kurosawa desenhava pessoalmente as cenas dos filmes que queria fazer. Esses storyboards revelam grande riqueza de colorido e já antecipam, no papel, o que ganharia forma e movimento na tela. Outra boa notícia para os kurosawamaníacos. Acaba de sair, nos EUA, o primeiro livro - e não só em língua inglesa - sobre a parceria do diretor com o ator Toshiro Mifune. Ambos fizeram filmes extraordinários. Romperam após O Barba Ruiva, em 1965. Com o afastamento de Mifune do elenco kurosawiano, entrou em cena outro grande do cinema japonês, Tatsuya Nakadai, com quem ele fez as obras-primas de sua fase final: Kagemusha e Ran (e, antes disso, Yojimbo e Sanjuro). Nakadai é um fenômeno. Antes de tornar-se o ator preferido de Kurosawa, já era o preferido de Kobayashi e Eizo Sugawa. Estrelou a saga monumental de Guerra e Humanidade e Hara-Kiri, do primeiro, e Morte à Fera e Arma Fatídica, do segundo. Crítico e historiador, Stuart Galbraith IV tenta entender os motivos da ruptura de Kurosawa e Mifune. Conta a história de cada um deles, antes e depois da associação artística, inventaria os filmes e faz tudo contextualizando os artistas e sua produção no quadro da vida japonesa, como um todo. O livro chama-se The Emperor and the Wolf. "O Imperador e o Lobo". Nem Donald Ritchie, nos seus escritos sobre Kurosawa, conseguiu ser melhor ao analisar o homem e o artista, o mito. Só para completar: o filho de Toshiro, Shiro, faz o senhor feudal em Depois da Chuva. Depois da Chuva. Japão, 2000. Direção de Takashi Koizumi, com Akira Terao e Shiro Mifune. DVD da Europa, já nas lojas. Preço médio: R$ 38,90.

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