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Sai Coleção Rohmer, nome fundamental da nouvelle vague

Distribuidora Europa prepara lançamento com os quatro títulos da série Contos

Por Agencia Estado
Atualização:

Maurice Sherer nasceu em 1920, o que significa que completa 87 anos em 2007. Velhinho, este Sherer, mas quem é ele? Só os cinéfilos de carteirinha sabem que M. Sherer se tornou conhecido (e cultuado) em todo o mundo sob o pseudônimo de Eric Rohmer. Crítico de cinema e nome fundamental da nouvelle vague, o movimento de renovação do cinema francês, por volta de 1960, Rohmer virou sinônimo de uma estética intelectualizada e exigente. Paradoxalmente, é uma estética muito simples, também. Os filmes de Rohmer tratam, quase sempre, de triângulos amorosos, de encontros e desencontros. Têm pouca ou nenhuma ação, pelo menos física, mas são pródigos em ação verbal. São filmes em que as pessoas conversam muito. Dizem coisas complexas e fascinantes. A simplicidade de Rohmer é estudada, produto de uma longa depuração. Um exemplo brilhante do método de Rohmer é fornecido por Conto de Primavera. Sentada no sofá da sala de uma jovem que acaba de conhecer e, portanto, lhe é estranha, Anne Teyssèdre faz uma observação curiosa - "Se alguém me visse desde a manhã, não entenderia nada de minhas ações." Este alguém é, claro, o próprio espectador, que vê a protagonista abrir e fechar portas, entrar e sair de apartamentos e andar parece que em círculos. Nada daquilo faz muito sentido, mas isso, naturalmente, só se o público se ligar nas ação concreta. O gesto, aparentemente aleatório, passa a fazer sentido quando, ou se, iluminado pela palavra. Conto de Primavera integra a série intitulada Contos das Quatro Estações e foi justamente esta seleção de quatro títulos que a distribuidora Europa escolheu para iniciar a Coleção Rohmer. Os quatro DVDs podem ser adquiridos, isoladamente (29,90 reais cada um). Já estão à venda com outros quatro títulos, de outra coleção - dedicada a Wim Wenders -, que a Europa também está disponibilizando para cinéfilos e colecionadores. Nos próximos meses, a distribuidora promete lançar novos títulos (e pacotes), até que a obra de ambos esteja toda mapeada em DVD, no País. Dificilmente, esses DVDs serão os mais vendidos, mas, além do prestígio, a Europa está segura de seu investimento, pois há um segmento - uma fatia do mercado, como se diz - para esse tipo de produto sofisticado. Desde que se iniciou na direção, em 1959, com O Signo do Leão, Eric Rohmer tem desenvolvido sua obra por meio de ciclos. Começou com os Contos Morais, aos quais se seguiram Comédias e Provérbios e Os Contos das Quatro Estações. Isolados, sem se identificar com nenhum desses ciclos, fez poucos filmes - A Marquesa d?O, em 1976, seguido, dois anos mais tarde, por Perceval le Gallois e A Inglesa e o Duque, em 2001. São, particularmente, interessantes porque colocam uma característica notável do cinema do autor, a estilização dos cenários. A Marquesa recorre a pinturas românticas, Perceval a miniaturas da Idade Média, A Inglesa, à tecnologia digital e em todos a utilização de falsas escalas, em justaposição a um estilo clássico de filmar, revela uma busca deliberada do artifício. Na sua admirável antologia de textos, Le Gout de la Beauté (O Gosto pela Beleza), até por suas preferências, Alfred Hitchcock, Howard Hawks, Friederich Wilhelm Murnau e Kenji Mizoguchi, Rohmer deixa claro que o artifício é a melhor maneira de destacar uma história simples e concreta. Anonimato Jean Tulard, em seu Dicionário de Cinema, num texto curtíssimo, percebe isso melhor do que muitos críticos que dedicaram extensos artigos (e até livros) a Rohmer. Austero, discreto, é um diretor que não gosta de aparecer, pois, como ele próprio diz, sua arte, feita de observação, depende muito do anonimato que lhe permite sair às ruas e ver o mundo, que depois coloca nos filmes, para extrair graça e beleza das pequenas coisas da vida. Seus filmes, como os de outro expoente da nouvelle vague, François Truffaut, tratam sempre do amor. Ou melhor - são histórias de encontros e desencontros, que Rohmer conta para falar do seu tema preferido, a impossibilidade de uma relação completa, que as pessoas buscam e não encontram. A frustração produz essa angústia indefinível que consome os personagens de Rohmer - e Anne Teyssèdre fica ali, sem entender, ela própria, o que lhe acontece. A busca de alternativas muitas vezes aumenta o mal-estar e a frustração. Nos seus contos morais, que atualizam a tradição das histórias dos moralistas do século 18, há uma espécie de elogio à libertinagem, mesmo que por meio do seu oposto, a virtude. Em Minha Noite com Ela, ao longo de uma interminável noite de conversa com Maude (Françoise Fabian), Jean-Luc Trintignant expõe justificativas para não ceder ao desejo de ir para a cama com ela - e o irônico é que, no final, descobrimos que, enquanto ele resistia, tentando permanecer virtuoso, sua noiva estava na cama com outro homem. Os contos morais têm essa característica, mas as comédia e provérbios e os contos das quatro estações continuam falando do desejo como algo desencontrado. A heroína de Contos da Lua Cheia, que integra os Provérbios ("Qui a deux maisons, perd sa raizon", que se traduz como quem tem duas casas perde a razão), não difere muito da de Conto de Primavera, que também tem duas casas, mas fica sozinha em Paris indo parar na casa dessa estranha e terminando por se envolver na disputa da nova amiga com seu pai e a amante dele. Anne Teyssèdre e a amante têm em comum a filosofia - e as duas atrizes (Eloïse Bennett é a outra) são mesmo licenciadas em filosofia. Para animar a tênue trama de Conto de Primavera, um colar desaparece. O máximo é a cena da cozinha, na qual as personagens discutem a elevação do pensamento e a transcendência descascando batatas, ou então, o que é quase obsceno, cortando aquele salame.

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