"Sabor da Paixão": quando Brasil é mais Brazil

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Por Agencia Estado
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Estréia em São Paulo neste fim de semana o filme que faltava ao cardápio de promoções turísticas do Brasil no exterior: Sabor da Paixão. Produções nacionais que exaltem o Rio de Janeiro já existem aos montes, inundadas dos mais variados clichês cinematográficos, vide Orfeu, de Cacá Diegues, ou Bossa Nova, de Bruno Barreto. Aliás a família Barreto é mestre no assunto, sendo responsável por filmes como Bela Donna e Lambada, que já fizeram o comércio do nordeste, bem como o recente Eu Não Conhecia Tururu, de Florinda Bolkan. Mas se as praias e paisagens brasileiras - de Copacabana a Fernando de Noronha - já tinham sido reverenciadas das mais diversas formas, essa estréia protagonizada pela espanhola Penélope Cruz vende um pacote novo: a Bahia, suas festas, sua gente e, principalmente, sua comida. Pénelope interpreta Isabela, tentando incorporar uma típica brasileira. Ela está realmente ótima no filme: bonita, sexy e solta com o papel. Mas faltou gingado à espanhola, sem o que não consegue passar baianidade. A diretora venezuelana Fina Torres (de Oriana, 1985) disse que fez testes com dezenas de brasileiras, e foi Penélope quem melhor se encaixou no papel. Mas, com certeza, não foi uma luva. E esse é só o primeiro dos incômodos do filme. Isabela é uma ótima cozinheira, conhecedora dos típicos pratos brasileiros e de seus temperos. Acaba casando-se com o dono de um restaurante de Salvador, Antonio (Murilo Benício), que não entende as crises de labirintite da mulher. São acessos que ela tem quando não está no controle da situação (por isso o título em inglês Woman on Top, referência ao fato de ela só querer ficar por cima na cama). Por causa disso, acaba traída. E descobre. Isabela deixa Salvador e o marido e vai viver com uma amiga travesti em São Francisco, onde alcança o sucesso com seu próprio programa de televisão sobre culinária tropical. Esse é o mote para que uma série de figuras do folclore baiano invadam a tela do cinema com uma facilidade peculiar. Mesmo que parte do filme se passe nos EUA, a figura principal nunca deixa de ser a "exótica" cultura, culinária e religião brasileiras. É como se todos os brasileiros evocassem a cada minuto Iemanjá e freqüentassem um terreiro de umbanda todo dia depois do trabalho. E falando inglês, o que fica mais estranho. Em Sabor da Paixão, o mais simples pescador domina o idioma do país da Fox Searchlight - co-produtora do longa, que exigiu que o filme fosse falado em língua inglesa. "Nós tivemos que cumprir essas cláusulas, e a maneira que encontramos de justificar todo o filme em inglês foi fazer com que o narrador fosse a amiga americana de Isabela, o travesti Monica", explica-se Fina, lembrando a personagem interpretada por Harold Perrineau Jr. Graças aos Orixás, a diretora bateu o pé quanto a trilha sonora, e as músicas do filme estão em bom e sonoro português. A trilha, muito boa por sinal, também é extremamente presente no decorrer do filme. Serestas são as principais ferramentas para que Murilo Benício, na voz de Paulinho Moska, tente recuperar o amor Penélope. Curioso: apesar do lugar, são sambas e bossas cariocas. Sabemos que o Brasil bem se caracteriza pelas miscigenações de raças e culturas que atravessam o país. Justificaria um bom filme a direção de uma venezuelana, com roteiro de uma brasileira (Vera Blasi), estrelado por uma espanhola, e que se passa na Bahia e nos EUA. Mas as inverossimilhanças são muitas. As cenas agradáveis e digeríveis são isoladas. Vale uma sessão da tarde, mas não paga o festival de Cannes, onde o filme iniciou sua carreira cinematográfica. Orgulho - Fina tem contrato com a Fox para mais três filmes. Lidar com grandes orçamentos e com a estrutura hollywoodiana pode ser um grande aprendizado para ela, mas também um grande tropeço. Ela mesma admite: "a expectativa é maior quando se tem uma grande produção, e assim a decepção pode ser maior também". Mas pelo menos demonstra consciência daquilo com que está lidando. "É muito importante isso para mim, pois não é sempre que eu tenho um produtor exclusivo, com um projeto de lançamento e coisas do tipo. Quero arriscar esse lado", diz. Fina já fez bons filmes. Em 1991, dirigiu a comédia Mecánicas Celestes, lembrada com carinho pela crítica, e em 85 conquistou vários prêmios com Oriana, incluindo a Camèra d´Or de Cannes. É difícil acreditar que Sabor da Paixão seja o começo de um retrocesso. Mas a diretora não esconde que seu principal motivo é querer experimentar um mercado inexplorado. Ela diz ter sido conquistada pelo produtor americano Alan Paul, e decidiu já dirigir seu próximo projeto - ainda sem nome - com ele. "Pretendo parar um pouco com as comédias. Quero trabalhar um filme sério e refletir sobre ele muito bem". É marca da diretora histórias sobre mulheres que vão em busca de seus objetivos. Seria mais uma? "Talvez sim, mas dessa vez ela não terá que viajar para encontrar o seu lugar", conclui Fina Torres.

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