PUBLICIDADE

Romeu e Julieta vira musical em filme de Lúcia Murat

Cineasta transformou obra de Shakespeare em musical no longa Eu Prefiro a Maré, com direito a rap e até coro de tragédia grega

Por Agencia Estado
Atualização:

Romeu e Julieta foram parar na favela, em facções rivais. Não é a versão carioca de West Side Story, o lendário musical norte-americano, mas Eu Prefiro a Maré, sexto longa-metragem de Lúcia Murat, cujo mais recente, Quase Dois Irmãos, já visitava o tema morro/asfalto. Aqui, ela junta a paixão pela dança com a vontade de fazer um musical brasileiro e falar sobre o uso da arte para o resgate da cidadania. Lúcia sonha com o filme há cinco anos e começou a produzi-lo em fevereiro. Roda em agosto e setembro e pretende tê-lo pronto no primeiro semestre de 2007. Do orçamento de R$ 3,8 milhões, já conseguiu o suficiente para as filmagens, R$ 1 milhão com a Petrobrás (pela Lei Rouanet) e R$ 500 mil com a produtora Posto 9 (investimento direto, não incentivado). "Minha idéia era documentar os trabalho sociais com a dança no Rio, mas aí veio a minha vontade de filmar um musical. Jamais pensei em realizar uma comédia romântica. Nem em West Side Story, porque nossa adaptação de Romeu e Julieta é mais livre", conta Lúcia, enquanto assiste às coreógrafas Graziela Figueiroa e Sônia Destri no ensaio com 32 jovens os números de dança que permeiam a história. Como não conhece nenhum precedente de musical brasileiro, além das chanchadas, ela não aponta uma inspiração. "Talvez por isso, tenha sido difícil vender o projeto aqui no Brasil. Lá fora é mais fácil, devido à repercussão de Quase Dois Irmãos nos festivais e ao tema." Apesar do orçamento médio, Eu Prefiro a Maré é superprodução. Ano passado, Lúcia testou 600 atores e bailarinos, adolescentes e jovens. Os 32 que ficaram no elenco têm aulas de dança, canto e interpretação desde fevereiro. Vinícius Cardoso, o Black, professor de dança de salão e cantor de soul de 21 anos, que já lançou o disco Soul Brasileiro, será o protagonista, e a atriz e bailarina Cristina Lago, a Julieta carioca. No elenco tem ainda Anjo Lopes, que faz um menino que deixa o tráfico pela dança, e Rafael Diogo, bailarino do programa da Xuxa, será irmão do chefe do tráfico vivido por Babu Santana, que foi um presidiário em Quase Dois Irmãos e um favelado em Cidade de Deus. "Marisa Orth será Fernanda, bailarina veterana que trabalha na favela e liga a comunidade com o asfalto", adianta a diretora, que negocia participações especiais. Otávio Augusto e Zezé Motta já estão certos e Zeca Pagodinho depende de agenda. Os protagonistas foram escolhidos nas aulas preparatórias. "Temos tipos físicos variados, um retrato do Brasil, e gente com vários tipos de formação, do balé clássico ao hip-hop e à da dança de salão. Uns só atuavam e outros só dançavam ou cantavam. Escolhi quem juntava as três habilidades, porque não vou dublar os atores. Também não há caras da televisão porque precisava de gente com idade e tipo específico, pouco comum na telinha." O roteiro é de Lúcia e Paulo Lins (de Cidade de Deus, o filme e o livro que lhe deu origem), Gringo Cárdia (que trabalha com meninos carentes no Cabum há muitos anos) faz a direção de arte e José Roberto Eliezer, a fotografia. Graziela Figueiroa vive no Uruguai e divide-se entre o Balé Nacional de lá e projetos de dança contemporânea. Veio em fevereiro selecionar o elenco e agora, para finalizar as coreografias. "Trabalhamos a união das diferenças. Não desperdiçamos a diversidade de informações e física destes meninos e meninas, mas é preciso dar-lhes a unidade de um corpo de baile", explica Graziela. "Este é nosso trunfo e nosso problema. Todos são vigorosos e empenhados como primeiros bailarinos, mas é preciso fazer o coro", completa Sônia. Elas se conhecem desde os anos 70, quando Graziela tinha o grupo Coringa no Rio e todo mundo freqüentava suas aulas. A música junta o Romeu e Julieta de Sergei Prokofiev com O Rappa e Zeca Pagodinho. Pedro Luiz (da Parede) faz a direção musical. "Tem ainda o grupo Nação Maré, que narra o filme, como um coro de tragédia grega. Entreguei o roteiro, e indiquei onde a música entrava e eles vieram com nove raps fantásticos", conta Lúcia. "Há também um grupo de hip-hop pesado que intervém e tem uma cena em que todos invadem a praia, ao som do Prokofiev. É quando confundem sua comemoração com um arrastão e a favela invade a zona sul." A favela da Maré fica ao longo da Avenida Brasil e os primeiros moradores trabalharam em sua construção na década de 40. Até os anos 80, era de palafitas; então foi urbanizada e multiplicou muitas vezes sua população. Há poucos meses, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, inaugurou seu museu, o primeiro dentro de uma favela, mas a vida lá não é tranqüila por causa das disputas das diversas facções do tráfico de drogas. Um dos pontos críticos é a confluência das Linhas Vermelha e Amarela (auto-estradas urbanas que invadiram comunidades nos anos 90), cujo apelido, Faixa de Gaza, indica o grau de ebulição da área. Lúcia sonha rodar pelo menos uma cena lá. "Quero aproveitar a bela imagem dos viadutos e mostrar os meninos naquele espaço. É complicado, mas não impossível", planeja. Ela negocia parcerias nacionais e estrangeiras. Por isso, não definiu quando será o lançamento, se possível, no segundo semestre de 2007. "O filme despertou os investidores estrangeiros que querem um lançamento grande, mas ainda não decidimos nada."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.