‘Rocco e Seus Irmãos’ volta ao circuito e mostra por que é a Bíblia de Coppola e Scorsese

Clássico de Luchino Visconti volta ao circuito paulistano no CineSesc

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Completaram-se em março 40 anos da morte de Luchino Visconti e em dezembro serão 110 anos de nascimento do grande diretor. Visconti tinha 54 anos quando levou Rocco e Seus Irmãos ao Festival de Veneza. Havia expectativa de que o filme recebesse o Leão de Ouro, mas o júri internacional, em plena explosão da nouvelle vague, preferiu premiar A Passagem do Reno, do acadêmico francês André Cayatte. Passaram-se 56 anos e Rocco está de volta às salas numa versão restaurada sob a supervisão do próprio diretor de fotografia Giuseppe Rotunno. Difícil (impossível?) imaginar preto e branco mais belo.

Durante mais de século se erigiu um culto a Rocco e Seus Irmãos. Entre os oficiantes estão Francis Ford Coppola, que se inspirou no clássico de Visconti para O Poderoso Chefão, o 1, e até chamou o compositor Nino Rota para a trilha, e também Martin Scorsese, que faz uma belíssima análise do filme em seu documentário sobre o cinema italiano. Visconti foi precursor do neorrealismo – com Obsessão, de 1942. Nos anos 1950, foi dos primeiros a se distanciar do movimento – pelas vias, simultaneamente, da História e do melodrama, com Sedução da Carne.

Cena do filme 'Rocco e Seus Irmãos' Foto: Titanus

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Visconti gostava de dizer que Verdi, e o melodrama, eram seus maiores amores. Em 1960, a Itália se recuperara, economicamente, após a ruína provocada pela guerra. O país se industrializara e o centro desse desenvolvimento estava em Milão, que, por sinal, era a cidade em que Visconti nascera e seu pai, o Duque de Modrone, era mecenas da ópera no Teatro Scala. O que isso tem a ver com Rocco? Tudo. Visconti queria fazer um filme sobre as mudanças provocadas pela industrialização numa sociedade agrária. Queria fazer um filme sobre migrações, família e crimes de honra.

E foi assim que se desenhou a história da família Parondi. Logo na abertura, a mãe e os cinco filhos chegam a Milão. Na metrópole, a família desintegra-se. Visconti conta sua história dividindo o filme em capítulos, cada um dedicado a um dos irmãos. Dois deles, Simone primeiro, e Rocco depois, se envolvem com o boxe, que metaforiza a violência social. Simone fica amante da prostituta Nadia. Separam-se, Rocco se envolve com ela. Mostra-lhe que uma outra vida é possível. Nadia tenta mudar, mas Simone, atingido na sua honra – é sua mulher, ele pensa –, a estupra diante do irmão. A tragédia é inevitável.

O próprio diretor dizia que fazia, na época, um cinema antropomórfico, dirigindo sua câmera, basicamente, para o corpo dos atores. Mais tarde, e principalmente a partir de Vagas Estrelas da Ursa, de 1965, Visconti incorporou a lente zoom e ela mudou sua mise-en-scène. Ao longo da narrativa, cresce em importância o irmão – operário especializado da Alfa Romeo – que vai representar a consciência da classe trabalhadora, Ciro. Não é nele, mas no caçula, Lucca, que Visconti projeta o ideal gramsciano da união do campo com a vanguarda operária na construção de um novo tempo.

Operístico, o filme tem cenas de antologia e interpretações gloriosas – Annie Girardot, Katina Katinou, Renato Salvatori. Visconti, aristocrata de nascimento, mas marxista por escolha ideológica, queria acreditar nesse futuro, mas carregava os germens da decadência de sua classe social. A beleza do filme está na câmera amorosa de Alain Delon. Rocco é a alma do filme. Sua bondade é excessiva e prejudicial, mas Visconti nos convence de que, sem a grandeza de Rocco, o mundo seria um lugar muito mais difícil de viver.