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Robert De Niro: camaleão é pouco

O ator muda de cara, de filme para filme. Escolhe seus personagens entre os papéis mais esquisitos e prefere não fazer personagens normais. Com essa mania, De Niro já foi quase tudo, até o diabo

Por Agencia Estado
Atualização:

Sharon Stone, que da loira burra da piada não tem nada, a não ser as pernas, definiu-o perfeitamente: "Robert De Niro é um camaleão de verdade. Ele tem a capacidade e o talento de desaparecer completamente no personagem que está interpretando, e ele faz esses personagens sem ego ou vaidade". De Niro, aos 57 anos, é um dos maiores atores do cinema americano e chamá-lo de camaleão é pouco. Basta ver os quase 70 filmes que fez, desde a ponta em um policial francês, dirigido por Marcel Carné, baseado numa novela de Georges Simenon, Trois Chambres à Manhattan, em 1965, até o ainda inédito City by the Sea, em que ele interpreta um detetive cujo pai foi executado pelo seqüestro de uma criança nos anos 50 e vive o drama de ver o seu filho se tornar um assassino. É raro que o ator repita o tipo ou a cara com que se mostra na tela. Ele até que não se sente mal fazendo um sujeito normal com espontaneidade, mas é bem evidente que ele prefere os personagens do outro lado, os doentes, pervertidos, maníacos, furiosos e dementes de toda a espécie. O muso da Máfia - Dentre esses, é fácil fazer uma lista de melhores momentos. De Niro, para começar, é o mafioso do cinema. Ninguém usa atualmente um terno Armani com uma gravata brilhosa e mechas brancas nas têmporas como ele. Nem tem aquela mistura de calma arrogância e violência desvairada mantida sob um verniz muito tênue de autocontrole. Seus clones, como Andy Garcia, Chazz Palminteri e Ray Liotta, ainda têm de comer muito espaguete para chegar lá. Até mesmo Al Pacino, que andou borboleteando por esses papéis, não tem o mesmo carisma sinistro. Como Al Capone, em Os Intocáveis, ele roubou o filme em poucos minutos. Num dos seus primeiros papéis, ele foi um dos filhos pirados da quadrilha dirigida por Ma Barker - e sua carreira criminal continuou de vento em popa. Quando encontrou o bairro nova-iorquino de Little Italy e o diretor Martin Scorsese, Máfia e cinema se enamoraram, em Caminhos Perigosos, em que De Niro era Johnny Boy Cervello, um valentão desequilibrado que ostentava um corte moicano e atrapalhava a vida do personagem de Harvey Keitel. Veio então O Poderoso Chefão 2, em que De Niro é o jovem Vito Corleone e explode em fúria e brutalidade ao assassinar um chefão rival. Tão convincente que acreditamos que o mafioso vivido no primeiro filme por Marlon Brando só podia ser daquele jeito. Em Era uma Vez na América, De Niro aparece jovem e, 35 anos depois, contando etapas da vida de um mafioso em ascensão. Com seu carisma, o ator carrega o filme, com uma maquiagem perfeita nos momentos mais maduros e com uma interpretação sutil e cheia de nuances. Como James Conway, De Niro domina Os Bons Companheiros, surpreendentemente um filme sobre mafiosos em que ele não é italiano, mas irlandês. Um irlandês mau como ele só, que fica muito mais interessante que o personagem central da história, vivido por Ray Liotta. Cassino trouxe DeNiro como Sam "Ace" Rothstein, um mafioso que se torna dono de um cassino em Las Vegas, enquanto tem de lidar com a mulher golpista Sharon Stone e o amigo encrenqueiro Joe Pesci. Como era inevitável, em Máfia no Divã, De Niro parodia seus mafiosos anteriores e o filme se transforma em uma comédia de grande qualidade. Paranóico e monstro - Robert De Niro tem na sua galeria de criminosos uma respeitável linhagem off-Mafia. Basta lembrar o sombrio profissional de Ronin, o obcecado serial killer Max Cody de Cabo do Medo, o furtivo ladrão de Brazil - o Filme. Mas foi em Taxi Driver - Motorista de Táxi que ele atingiu um pico raramente igualado por um ator na exibição de paranóia, perversão, maldade e loucura. Como o veterano do Vietnã Travis Bickle, ele muda de personalidade várias vezes, sempre caindo mais fundo até um desenlace alucinado como um atirador desvairado que parece um vilão de histórias em quadrinhos. Ele já foi psiquiatra em Tempo de Despertar, um proprietário rural italiano em 1900, um bandido simpático, mas implacável em Jackie Brown, padre em Sleepers e Confissões Verdadeiras, boxeador e cantor de cabaré como Jake LaMotta, em Touro Indomável, o filme em que teve de engordar para viver as duas facetas do papel. Em A Missão, foi um conquistador espanhol. Foi um chato insuportável em O Rei da Comédia, um saxofonista ambicioso em New York, New York, um escorregadio consultor político em Mera Coincidência, um cozinheiro analfabeto em Stanley e Iris, um veterano do Vietnã que tem dificuldades de reajuste no pós-guerra em O Franco Atirador, um dono de estúdio em O Último Magnata. Para culminar com seus personagens estranhos, ele encarnou o monstro em Frankenstein de Mary Shelley, em que tinha mais costura na cara que na roupa. E, claro, não é possível esquecer Coração Satânico, em que o misterioso milionário Louis Cyphre dá a Robert DeNiro a chance de interpretar um personagem que resume boa parte dos seus papéis: o Diabo. Mais camaleão, impossível.

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