Ripstein exalta o amor em "Ninguém Escreve ao Coronel"

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

A obra literária de García Márquez é naturalmente cinematográfica. Na verdade, o escritor não pensa seus romances cinematograficamente. Mas ele os realiza assim, espontaneamente, conseqüência certa de seu gosto por essa linguagem e pela sua vivência próxima, como tradutor e roteirista. E entre tantos romances que foram convertidos para tela, talvez nenhum o tenha sido com maior fidelidade que Ninguém Escreve ao Coronel, do mexicano Arturo Ripstein, que estréia nesta quinta nos cinemas paulistanos. Fiel, mas não no que diz respeito à obediência na adaptação - escrita pelo próprio Ripstein com a ajuda da mão mestra da mulher e roteirista, Paz Alicia Garciadiego, colaboradora habitual nas obras do diretor. É fiel, principalmente, quanto ao sentido do filme e sua grande abstração: o amor. Ninguém Escreve ao Coronel conta a miserável vida de um Coronel (Fernando Luján), veterano de uma guerra revolucionária acontecida há 30 anos em algum país da América Latina. Ingênuo e esperançoso, todas as sextas-feiras o velho Coronel se dirige ao porto próximo do pequeno vilarejo onde vive, no aguardo da prometida aposentadoria que nunca chega, há três décadas. Sua mulher, Lola (maravilhosamente encarnada por Marisa Paredes), sofre de asma, passa fome, e vive discutindo com o marido, ainda que o ame profundamente, após tantos anos juntos. O motivo dessas brigas é o galo de briga do Coronel, que ele herda de Augustin, filho recentemente morto - não se sabe se por motivos políticos ou por dinheiro. Enquanto Lola insiste para que o Coronel venda a ave e ganhe algum dinheiro, ele acredita que o galo possa garantir nas rinhas o único sustento do casal. Eles ainda chegam a ser socorridos por uma prostituta - Salma Hayek, de volta ao idioma espanhol -, que era a preferida de Augustin, e provavelmente o único e verdadeiro amor de sua vida. O centro do romance de Márquez, segundo Ripstein, são os galos de briga, enquanto que no filme tornaram-se elemento coadjuvante da história. Muito mais evidente está a história de amor e saudade que ronda o coronel e sua mulher. Ripstein confere o achado ao toque feminino da roteirista, e a sua própria descoberta, inusitada, fruto de sua leitura natural da obra de Márquez. "Eu não planejei me deter no que estava escondido entre os vincos da trama. Eu me deparei com aquela história de amor sem saber e sem esperar", diz. E assim também é a contemplação da obra de Ripstein. Nas cenas internas, a escuridão bucólica própria de Ripstein é presente. Em seus passeios pelo castigado vilarejo, a luz discretamente distribuída pela tela faz um balanço elegante com as sombras. E planos longos. Muitos planos longos. Às vezes, 10 minutos sem cortes, que enleva e seduz pelos cantos dos cenários dissecados por Ripstein.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.