Ripstein brilha na semana do cinema independente

Seu filme La Perdición de los Hombres é um dos destaques da 3ª Semana do Cinema: Brasil & Independentes, que também terá Spike Lee e Fabián Bielinski

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Por Agencia Estado
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Há um filme tão grande de Arturo Ripstein que, por si só, justifica a existência da 3.ª Semana do Cinema: Brasil & Independentes. É La Perdición de los Hombres, que o diretor mexicano, em entrevista a Agência Estado, definiu como comédia de humor negro. Não se vexe, portanto, e pode rir, mesmo que as pessoas ao seu redor se comportem como se estiverem assistindo a uma tragédia (o que também é verdade). No total, serão exibidos 16 filmes (confira a programação) no evento que começa amanhã, para convidados, e sexta-feira, para o público, no Espaço Unibanco. Se formos tomar o filme de Ripstein como amostra, estaremos partindo do princípio de que sua qualidade é rigorosamente a exceção no conjunto de obras selecionadas. Não é verdade. O próprio filme que abre amanhã a semana, Nove Rainhas, de Fabián Bielinski, é muito interessante. A Hora do Show (Bamboozled), de Spike Lee, é tão bom que sua capacidade de despertar polêmica provocou algumas das discussões mais intrigantes do Festival de Berlim, em fevereiro. As obras de qualidade vão aumentando, portanto. E, se há decepções - os filmes argentinos Aparências, de Alberto Lecchi, e Mariscos e Mexilhões, de Marcos Carnevale, esse em co-produção com a Espanha, o tão decantado Memento, de Christopher Nolan, que fez sensação no Festival de Sundance, em janeiro -, o conjunto da seleção, com seus altos e baixos, presta-se a uma discussão sobre o que é amanhã o cinema independente. A rigor, quase todo o cinema mundial é independente, na medida em que os filmes são produzidos à margem do cinema de Hollywood, que domina os mercados nacionais. O menos independente é o próprio cinema independente americano, aquele que passa no Sundance, que já foi a grande vitrine dos indies, mas amanhã é só uma porta de passagem para o cinemão. Os indies americanos perderam o sabor de novidade, o gosto do risco. Sundance é amanhã a vitrine dos novos talentos que estão loucos para ser pescados por Hollywood - um filme como Memento é a prova, com seu drama de pacotilha envolto numa embalagem sofisticada que embaralha tempo e espaço, o real e o artifício para dar a impressão de sofisticação. Adhemar Oliveira sabe disso. É o homem por trás do Espaço Unibanco de Cinema e da Semana de Cinema: Brasil & Independentes, agora na sua terceira edição. Comanda o maior circuito de salas alternativas do País. Elas vão aumentar ainda mais quando ele inaugurar, no fim do mês, as dez salas do Unibanco Arteplex, no novo Shopping Frei Caneca, um empreendimento no qual está associado a Leon Cakoff, leia-se Mostra Internacional de Cinema São Paulo. Dois nomes na contramão da tendência que estabeleceu o cinemão - Hollywood - como a força hegemônica nas bilheterias brasileiras, onde quase 90% dos ingressos são destinados às produções americanas (e das majors). Oliveira sabe que o próprio conceito de independente anda difícil de formular. Antes era fácil: a dificuldade de conseguir recursos para a produção e de circular já garantiam o rótulo. Amanhã, já há um cinema falsamente independente que é só trampolim para Hollywood. E há o cinema independente que tenta se firmar sem orçamentos milionários, sem campanhas de markerting como a que lançou Pearl Harbor, por exemplo, em 477 salas de todo o País, um terço dos cinemas que restaram no Brasil. Esse cinema independente é formado por filmes europeus, asiáticos e latino-americanos. Interessam-lhe, parrticularmente, o México e a Argentina. O Unibanco Arteplex prevê que uma das dez salas veicule só a produção latina, da qual esses independentes são aperitivos. Adhemar tenta estabelecer um regime de mão dupla. Ele mostra aqui a produção desses países, mas tenta negociar para que ocorra a contrapartida e o cinema brasileiro também chegue aos circuitos alternativos de Buenos Aires e da Cidade do México. Lamenta que não esteja repetindo, nesta 3.ª Semana, o que conseguiu fazer na primeira. A mostra de filmes, naquele ano (1999), foi itinerante, percorrendo outras cidades brasileiras. Isso é importante porque São Paulo e Rio respondem amanhã por 60% do público de obras alternativas. É preciso levar esse hábito a outras cidades e não apenas capitais. Inscrito na Lei Rouanet, o projeto de itinerância da semana deste ano não conseguiu patrocínio para rodar pelo Brasil. O público, das localidades fora do eixo, que prestigiaram a primeira semana ´agradecem´ esse desinteresse dos patrocinadores. Enfim, a terceira semana vai começar. Você não deve (não pode é decisão sua) deixar de ver La Perdición de los Hombres ou Nove Rainhas ou A Hora do Show, no qual Spike Lee radicaliza a crítica à maneira como o show biz americano vê a participação do negro. O filme termina com um videoclipe que compila imagens chocantes pela constatação de um preconceito sem limites. Em Berlim, Spike Lee foi acusado de "exagero". Altivamente, respondeu que foi até suave. Havia imagens ainda mais fortes, que ele deixou de lado porque, de tão caricaturais, temia que pensassem que haviam sido forjadas. Há mais: a divertida comédia O Casamento de Louise, de Betse de Paula, que fez rir a platéia do Festival do Recife; o policial, também brasileiro, Buffo & Spalanzani, de Flávio Tambelini, que também fez sucesso em outro festival, o do Rio BR 2000; o noir chinês Suzhou, de Lou Ye, maneirista, mas atraente para nostálgicos da inesquecível Laura; o documentário O Lixo e a Fúria, de Julian Temple, sobre os Sex Pistols; e Uma Noite com Sabrina Love, do argentino, sempre respeitável, Alejandro Agresti. Some-se a isso tudo a homenagem a José Mojica Marins e o workshop do crítico Inácio Araújo sobre... a crítica de cinema e está mais que justificado o interesse pela 3ª Semana de Cinema: Brasil & Independentes.

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