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Rezende volta ao básico com "Quase Nada"

Filme entra em cartaz nesta sexta-feira, na mesma semana em que é exibido no Festival de Montreal

Por Agencia Estado
Atualização:

É um título irônico, Sérgio Rezende assume. Quase Nada estréia amanhã em São Paulo, no Rio e em Brasília. Oito cópias, apenas. Um lançamento pequeno, para um filme minimalista, que se volta para aquilo que o diretor chama de "básico do cinema". Quase nada de orçamento. Depois de duas superproduções, pelo menos para os padrões do cinema brasileiro - Guerra de Canudos e Mauá, o Imperador e o Rei -, Rezende experimentou o desejo de mudar, voltando ao começo de sua carreira, quando fez Até a Última Gota e O Sonho não Acabou. Ele conta que sempre lutou para fazer os filmes que queria, do jeito que julgava necessário. Para Quase Nada, não precisava de muito dinheiro. O filme foi surgindo assim, com quase nada de recursos. Mas o título também é irônico porque Rezende quis falar aqui sobre pessoas que não são importantes - ele diz "desimportantes" -, pessoas esquecidas deste Brasil que se desumaniza para entrar na modernidade. Da pré-produção à primeira cópia, Quase Nada não consumiu mais do que R$ 800 mil. Mas começou a ser feito com muito menos dinheiro - a rigor, apenas com os R$ 150 mil que Rezende recebeu da Riofilme, que distribui o filme. Se necessário, ele faria Quase Nada só com este dinheiro, mas depois recebeu um aporte do capital do fundo ibero-americano Ibermídia, e a distribuidora BR também entrou com recursos para a finalização. Não só pelas condições materiais em que foi feito, Quase Nada surgiu sob o signo da urgência. Rezende escreveu o roteiro em quatro dias, não consumiu mais do que três semanas na rodagem. Diz que é seu filme mais intuitivo e é, para ele, o que o diferencia das experiências de Canudos e Mauá. Rezende, até certo ponto, deixou-se levar. Permitiu que o filme fluísse, sem pensar muito. Mas a origem de Quase Nada é muito anterior, remonta a mais de dez anos. Entre 76 e 88, Rezende tomou conta, para seu pai, de uma fazendinha que ele tinha no Rio. Datam daquela época os fatos que o impressionaram e que resultaram no filme que estréia hoje. Rezende tinha os fatos, mas não a história, ou as histórias. Um homem chegou na fazendinha, ficou lá durante 15 dias, apenas. Julgava-se perseguido por um inimigo, terminou se matando. O fato ficou na cabeça do diretor e, como esse, outros ficaram. Ele teceu assim as três histórias de Quase Nada, todas desenroladas no ambiente rural, com pequenos personagens anônimos do campo. Exorcizou, assim, todas aquelas coisas que haviam ficado no seu inconsciente. Por isso, ele acredita que o filme tenha saído tão espontâneo e não como resultado de uma reflexão intelectual. No começo, o filme deveria se chamar Foice, Veneno, Machado, mas os amigos conseguiram dissuadir Rezende. Acharam demasiado brutal, incômodo. Ele se voltou então para Jorge Luís Borges. Retirou um verso do poema Rubayat, e o filme passou a se chamar O Vento Que Passa, que também tinha tudo a ver com essas vidas sem importância. Mas ele mudou mais uma vez e o filme ganhou então o nome de Olhos Profundos, como a música de Renato Teixeira, que pode ser ouvida na trilha. Mais uma mudança, agora a definitiva. Ele voltou a Borges e retirou de um ensaio do genial escritor argentino sobre as carruagens do início do século, em Buenos Aires, esse outro título tão carregado de significados - "Quase Nada". Chegou a imaginar o filme em preto-e-branco. Lamenta que os laboratórios tenham perdido a mão para o p&b. Via-o como uma espécie de documentário - achava que deveria ser esse o sentimento do espectador. Para realçar a intenção, abriu mão de atores muito conhecidos. Queria que o público se sentisse mais atraído pelos personagens do que pelos astros, mas queria que o filme fosse interpretado por grandes atores. Foi buscá-los no teatro. A primeira foi Denise Weinberg, com quem já havia feito Canudos. Denise sugeriu-lhe seu companheiro no grupo Tapa, Genezio de Barros. E os dois venderam para o diretor a idéia de trazer Augusto Pompeo. Três atores de teatro, e Rezende encanta-se com a qualidade das interpretações. Diz que o teatro de São Paulo virou um celeiro de bons, de grandes atores. Diz que isso não ocorre no Rio porque lá existe a Globo e o ator termina indo para a televisão, perdendo-se um pouco na linha naturalista que dá o tom das novelas e minisséries globais. Da Globo ele trouxe Caio Junqueira, para o último episódio. Caio tem sido muito criticado como o elo fraco do elenco. Rezende não concorda. Diz que foi um trabalho difícil. "Caio aparece quase sempre sozinho quase não contracena." O problema, que Rezende reconhece, é que o episódio do Caio vem depois do de Genezio e esse último é tão maravilhoso que, por efeito de comparação, o espectador talvez não avalie direito o esforço do outro ator. Rezende está convencido de que Genezio vai ter, a partir de agora, o destaque "que merece". Quase Nada está sendo exibido esta semana no Festival de Montreal. No ano que vem, vai ao Festival de Paris. No mês passado, em Gramado, recebeu o prêmio do júri popular. Rezende sabe que o público de um festival não é o mesmo dos cinemas, mas acredita que o filme poderá achar seu nicho. Por enquanto, está inteiramente voltado para o lançamento do filme que, como ele diz, não tem nada de mídia eletrônica e precisa ser trabalhado no jornalismo impresso e no boca a boca para existir. De novos projetos, tem dois - um filme sobre o samba de Zé Kéti e Cartola, que sobrevive no subúrbio, do Rio, e uma comédia com o sugestivo título de Os Piadistas. Quase Nada - Drama. Direção de Sergio Rezende. Br/2000. Duração: 90 minutos.14 anos.

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