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Reichenbach faz a 1ª oficina digital do Brasil

Projeto do cineasta de Dois Córregos vai resultar na adaptação para o cinema da obra inacabada do alemão Friederich Hölderlin A Morte de Empédocle

Por Agencia Estado
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Empédocle, o Deus das Sandálias de Bronze é o próximo longa do diretor paulista Carlos Reichenbach. Com lançamento previsto para o ano que vem, o longa-metragem baseado na peça do alemão Friederich Hölderlin está na sua fase geratriz. Deste mês até novembro, o texto original é alvo de discussão do projeto Empédocle: do processo de criação até a pré-produção de um longa-metragem, uma oficina de cinema promovida pela Oficinal Cultural Oswald de Andrade, idealizada por Reichenbach em conjunto com Eduardo Aguilar. A grande novidade deste projeto é que se trata da primeira oficina cujo resultado final é um filme inteiramente digital, rodado em "câmera numérica" - como alguns países europeus se referem à captação digital de imagens -, sendo posteriormente transferido para formato de 35 milímetros. "A idéia do conteúdo veio do fato de ser uma peça inacabada", fala Reichenbach, referindo-se ao original A Morte de Empédocle. A peça escrita em dois atos apresenta uma série de lacunas no texto original, o que dificultou por décadas sua publicação, encenação ou adaptação. Isto porque Hölderlin começou a escrevê-la em 1798, aos 28 anos, e manteve o texto em mudança até anos antes de sua morte, em 1843. Partes da mitológica peça foram publicadas pela primeira vez em 1826, e outras raras edições em alemão foram lançadas ao longo do século. O texto nunca foi antes traduzido para o português - Reichebach conseguiu, especialmente para seu projeto, uma tradução dos acadêmicos Alberto Ribeiro Lyra e Walter Zingerevitz, que também são palestrantes das oficinas. No mais, Jean-Marie Straub e Danièle Hulliet (de Gente da Sicília!, 1999) dirigiram em 1987 Der Töd des Empedokles, uma versão fiel ao original - da qual Reichenbach obteve uma cópia. "Mas ainda não a vi... Só vou assistir ao filme e exibi-lo aos alunos na metade do curso, para evitarmos, assim, algum tipo de influência". Aproveitando a facilidade no manuseio da tecnologia digital e o convite de um amigo brasileiro que mora na Alemanha, Reichenbach ainda deve pincelar a história de Empédocle gravada no Brasil com imagens que pretende coletar de lugares onde morou ou passou o escritor Hölderlin, como a torre onde viveu o resto de seus dias, em Tübingen. Duas versões - O roteiro deve dar origem a um longa de 90 minutos. A história conta a saga de Empédocle, um mortal que, na Grécia Antiga, começa a operar milagres e se considera deus, provocando a fúria dos sacerdotes locais e adoração do povo. Os profetas se vêm obrigados a expulsar Empédocle da cidade, ainda que ele tenha salvado a vida da filha de um deles. "É um dos textos mais marxistas da literatura clássica", opina Reichenbach. Devem ser trabalhadas duas versões paralelas dentro de um mesmo roteiro para o filme final. Conforme o diretor, uma deve ter um apelo mais popular e realista, e a outra menos. Ainda que sejam desenvolvidas separadamente, a intenção é fazer com que essas partes se cruzem no texto final. Uma delas - a mais popular - deve colocar Empédocle na marginalidade, num local suburbano de São Paulo, onde ele se destacaria entre a gente humilde (o diretor inspirou-se no mendigo-poeta Gentileza, do Rio de Janeiro), e compraria briga com alguém de alto-destaque, "talvez um padre mesmo, ou até um empresário", especula o diretor. Para a outra seria feita uma locação em uma região alta, como a Serra da Cantareira ou Campos do Jordão, numa metáfora ao céu, ao contato com os deuses. "A grande missão é fazer o popular dialogar com a mitologia". O texto complexo, erudito, é rico em reflexões existenciais e difícil de ser lido. Algumas personagens, principalmente Empédocle, mudam muitas vezes a pessoa do seu discurso e também de interlocutor, sinuosamente. "Ora ele fala com seu discípulo, ora fala com os deuses", explica Reichenbach, comentando só um dos exemplos que tornam o texto complexo. Por meio destas oficinas, recheadas por discussões filosóficas, literárias e culturais, Reichenbach também busca provar que cinema inteligente no Brasil é algo viável, de apelo popular, que pode competir com o cinema americano - gênero que o diretor tem sempre combatido. Para ele, Empédocle representa um momento decisivo na sua disputa com Hollywood. "Chega de amenidades ... Só há uma maneira de peitar esse cinema que ocupa noventa por cento do nosso espaço e do mundo todo ... para cada (produção) milionária e emburrecedora das majors americanas, iremos responder com inteligência, cultura, revolta, (...) filmes baratos, ousados, obscenos, viscerais, cultos e insolentes", escreveu nesta semana o diretor, em artigo para um portal de cinema. Através das oficinas de roteiro, que contam com 20 alunos, pretende-se absorver a forma ideal de transformar essa linguagem e fundir estas versões. A condução do roteiro deve ser organizada por duas pessoas de confiança do diretor, que, dentro da oficina, devem distribuir tarefas e fiscalizar a produção. São eles Daniel Chaia, que já foi assistente e roteirista de outros filmes de Reichenbach, e Regina Jehá, também parceira do cineasta além de diretora e documentarista, viúva do diretor Luís Sérgio Person. No primeiro dia da oficina de roteiro, após a leitura de algumas cenas do original, feita por dois atores, Reichenbach colocou a principal discussão sobre o roteiro: "O que pode ser aproveitado daqui? Este é o grande desafio a se descobrir. Isto vai ser descoberto na leitura erudita do material. O que é aproveitável parte do encontro do dado mais poético, sem que isso pareça uma coisa pedante, e ao mesmo tempo como seria hoje usada ao ser dita por um personagem como este. Como tornar a essência desse texto bela e, ao mesmo tempo, audível para os dias de hoje".

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