Há quase 30 anos, a separação de Woody Allen e Mia Farrow, coincidindo com o lançamento de Maridos e Esposas, virou um escândalo planetário. Nos anos seguintes, a situação não aliviou. Allen vem sofrendo sucessivas acusações de abuso. Virou um autor malvisto em Hollywood. Woody, que não tem mais nada a perder, segue seu ritmo. Um filme por ano, todos os anos. Mantém-se fiel a Nova York, mas virou globetrotter. Fez filmes em Barcelona, Paris, Roma. De volta à Espanha, o novo filme passa-se em San Sebastián.
Marcas
Rifkin’s Festival, ou O Festival do Amor. Wallace Shawn lecionava cinema. Largou o ofício para escrever um grande romance. A mulher permanece ligada à indústria. Ele a acompanha no Festival de San Sebastián. Vê Gina Gershon aproximar-se cada vez mais de um jovem autor francês – Louis Garrel. Hipocondríaco, vai parar no consultório de uma médica. Envolve-se com Elena Anaya. Mort Rifkin – o nome do personagem – é o típico personagem alleniano. Judeu nova-iorquino, intelectual, pretensioso.
De tanto falar sobre cinema, Mort viu a mulher amada – a primeira – migrar para os braços do irmão. Vive num universo de fantasia, ora num filme de Federico Fellini – a sua versão de Oito e Meio -, ora de François Truffaut – Jules e Jim –, ou Ingmar Bergman – Persona. Gina e Elena protagonizam uma cena com legendas do último – discutindo a existência de Deus. Mort é truffautiano no sentido de que é um romântico que não sabe lidar com o próprio romantismo. Lança uma pergunta a seu psicanalista – E agora? Não tem resposta.
A verdade é que as coisas não são tão ruins como parecem – para Woody e o próprio Mort. Allen sempre amou seus mestres europeus, mas lá atrás, no começo de sua carreira, pagou tributo ao mito de Humphrey Bogart e a Casablanca. Mesmo que tudo dê errado, Mort nunca permanecerá sozinho. Bogart e Bergman tinham a lembrança de Paris. Mort tem o cinema, o seu Botão de Rosa. Allen até recria a famosa cena inicial de Cidadão Kane, o clássico de Orson Welles. Cinéfilos de carteirinha se sentirão em casa.