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"Redemoinho" mostra caos do mundo

Conta a história de Bibi, garota bem-nascida, mas cheia de problemas. Em poucos dias, ela faz um aborto, mata uma pessoa sem querer, sente culpa, apaixona-se por um homem

Por Agencia Estado
Atualização:

Redemoinho, do canadense Denis Villeneuve, começa como uma fábula surrealista - um peixe em via de tornar-se filé começa a narrar a história. Para alívio do espectador, logo isso é deixado de lado, se bem que o peixe original, ou outros que o substituem ao longo do filme, volte para comentar a ação, como se fosse um coro grego dotado de espinhas e barbatanas. Esse recurso é dispensável. De interessante, há a história de Bibi (Marie- Josée Croze), garota bem-nascida, mas cheia de problemas. Dona, junto com o irmão, de uma cadeia de butiques da moda, arranjou uma gravidez inconveniente e resolve abortar. Sente-se culpada, sai numa balada noturna e naufraga em álcool e drogas. Na volta para casa, atropela um transeunte. De ressaca no dia seguinte, descobre o que aconteceu. Mais tarde irá encontrar outro homem, também "por acaso", e verá desenhar-se a segunda chance de sua vida. Será pegar ou largar e o espectador verá que essa opção não é fácil. As aspas acima se justificam. A engenharia dramatúrgica de Villeneuve o leva a construir encontros que são casuais apenas em aparência. Quer dizer, o diretor trabalha naquela fronteira difusa entre o acaso e a necessidade, justamente onde se desenha um destino humano. Nada impede que o homem atropelado seja, por exemplo, o peixeiro que fornece polvos ao restaurante japonês onde Bibi costuma comer. E esse será o menor dos "acasos" nessa história. Há alguma coisa na maneira de Villeneuve filmar que parece jogar Redemoinho na esfera publicitária. Tudo é limpinho, higiênico, bem iluminado, como num comercial bem produzido. O filme se salva, no entanto, pelo conjunto de questões tratadas. No centro dele vive essa moça, em aparência fútil, desmiolada, sem grandes ambições senão curtir a vida da maneira como for possível. Tem dinheiro, é bonita, jovem; o que mais pode desejar? Mas em poucos dias, ela faz um aborto, mata uma pessoa sem querer, sente culpa, apaixona-se por um homem. Vê-se diante dos mistérios da vida e da morte, tem de enfrentar um dilema moral e administrar a paixão por alguém que não poderia ser mais errado. Esse conjunto de fatos leva o filme para uma esfera mais densa e interessante do que se poderia supor. Claro, dirá o espectador antenado, nada disso é novidade. Esses ambientes nos quais o acaso se apresenta como o mais absoluto determinismo estão nos trabalhos de Wayne Wang, quando adapta Paul Auster, e em Auster, mesmo quando escreve e dirige os próprios filmes; no alemão Tom Tykwer (de Lola, Corra, Lola) ou no espanhol Julio Medem (de Os Amantes do Círculo Polar). Tem muita gente filmando com esses pressupostos, convergência que mereceria análise. Talvez seja a tentativa de encontrar alguma ordem oculta num mundo que se apresenta cada vez mais caótico. Mas que possivelmente é caótico apenas na superfície, sendo ele também regido por leis desconhecidas. Enfim, essas inquietações surgem e se resolvem em uma mistura de desespero, ciência, intuição e auto-ajuda. Dessa mixórdia pós-moderna nasce muita impostura e alguns personagens autênticos. Bibi não chega a ser uma dessas grandes personagens (o dono de tabacaria interpretado por Harvey Keitel em Cortina de Fumaça é um deles). Mas não deixa de ter seu encanto. Serviço - Redemoinho (Maelström). Drama. Direção de Denis Villeneuve. Can/2000. Duração: 88 minutos.14 anos

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