Produtora Maria Zilda avisa: "quero cinema cheio"

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Por Agencia Estado
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Enquanto muita gente anda se queixando de falta de verbas para o cinema, a atriz Maria Zilda Bethlem tira a crise de letra e acaba de produzir dois longas-metragens: Eu Não Conhecia Tururu, estréia na direção de Florinda Bolkan, e Minha Vida em Suas Mãos, de José Antonio Garcia (de O Olho Mágico do Amor e O Corpo). Ambos estão prontos e à espera de lançamento. Como foi rodado e produzido no Ceará, Tururu deverá ter pré-estréia no próximo Festival de Cinema de Fortaleza, em junho. Minha Vida em Suas Mãos vai a outro extremo do País e poderá ser visto, pela primeira vez e fora de concurso no Festival de Gramado, em agosto. Nos dois longas, claro, Maria Zilda, além de produtora, também é atriz. "Esta é a minha profissão de origem e a preferencial", diz, lembrando um currículo que inclui novelas como Água Viva, Guerra dos Sexos, Vereda Tropical e filmes como Beth Balanço, O Segredo da Múmia, Espelho de Carne, Vagas para Moças de Fino Trato e O Homem Nu. Grandes papéis? "Nem tanto", ela reconhece. "Mas me diverti muito com eles." Apesar da opção preferencial pela vida de atriz, com a escassez de produtores, ela resolveu passar para o outro lado do balcão. "Sou boa produtora", avisa. "Controlo tudo muito bem, sou organizada e ninguém me tapeia nas contas", diz, rindo. E foi assim, fazendo contas, conversando com empresários renitentes e aplicando direitinho a grana, que pôs de pé dois longas-metragens com tudo para dar certo. São trabalhos muito diferentes. Tururu é intimista; Minha Vida em Suas Mãos procura ser um bom thriller sensual, com apelo de público. No primeiro, são quatro personagens femininos, na verdade quatro irmãs que se reencontram depois de longa separação. Florinda, que mora na Europa e já filmou com Luchino Visconti, faz Eleonora, uma escritora que vive na Itália e volta para o Brasil com um romance recém-escrito e casamento desfeito na bagagem. Encontra-se com as irmãs, entre elas Rose, uma artista plástica meio depressiva vivida por Maria Zilda. Sobre o filme que deve abrir o festival cearense, a atriz e produtora não tem mais notícias: "A Florinda levou os negativos para a Itália e não soube de mais nada", diz. Já sobre Minha Vida em Suas Mãos ela exerce controle total. Desde quando assumiu o projeto, procurou cercar-se de todas as garantias para que não ocorresse com este o que acontecera com Tururu. Ela conta que recebeu o roteiro do thriller anos atrás, quando ainda era casada com o diretor de TV Roberto Talma. "A Yoya Wurch me entregou o texto, dizendo que escrevera a história pensando em mim", diz. Talma iria dirigir e Zilda, interpretar. Só que os compromissos de ambos com a TV não deixaram espaço livre na agenda para o cinema. Em seguida, veio o desmanche da produção nacional causada pelo governo Collor. Enquanto isso, o projeto ficou dormindo na gaveta. Com a Lei do Audiovisual ainda longe da atual crise, Maria Zilda entusiasmou-se e resolveu tirar o filme da prancheta e colocá-lo no celulóide. Trabalhou em silêncio. Num tempo em que qualquer carta de intenções de diretor famoso já ganha páginas e páginas nos jornais, ela agiu na sombra. Levantou o dinheiro da produção, escolheu diretor e elenco, sem que uma única linha sobre o projeto saísse na imprensa. Há muito Maria Zilda não estava casada com Talma, de quem continua excelente amiga. O diretor já tinha outros projetos em mente e Zilda procurava novas opções. Alguém falou no nome de José Antonio Garcia. A produtora havia visto todos os filmes dele e gostado. "Acho que não fui eu quem o escolhi, ele é quem me escolheu", diz, brincando com a afinidade de propostas de ambos. De fato, Garcia é um cineasta competente e capaz de criar clima eróticos convincentes, mas nada apelativos, como sabe quem assistiu a O Olho Mágico do Amor, com Carla Camurati, que ele rodou em parceria com Ícaro Martins. Ou O Corpo, uma adaptação de Clarice Lispector deliberadamente over, com Marieta Severo, Eliane Fonseca e Antonio Fagundes formando um triângulo amoroso consentido. Sutileza aliada a boa voltagem sensual, além de um certo tom paródico, são ingredientes que fazem o interesse desses filmes. É possível que, em Minha Vida em Suas Mãos, Garcia deixe de lado a vocação para a paródia e o distanciamento, e concentre-se em sua habilidade para o cinema ágil e hormonal. Isso porque, pelo que diz a produtora, o longa-metragem deverá estar calibrado no registro realista, aquele que mais tem chances de emplacar uma boa bilheteria. Ela diz com franqueza: "Sou atriz e estou acostumada a ser vista por muita gente; não estou nada a fim de fazer filmes para a crítica ou para intelectuais, pois quero o cinema cheio." Devotos de Saint Germain - Na história do thriller, um coquetel temático que não perdeu atualidade: desemprego, recessão econômica, violência urbana, estresse na cidade grande, assaltos, pânico trânsito caótico. No meio disso tudo, um seqüestro. E deste, a história é a seguinte: um engenheiro é demitido da empresa onde trabalha e ainda tem o dinheiro do seu fundo de garantia levado num assalto. Ele perde o eixo por completo e resolve cair na marginalidade. Passa, ele próprio, a ser um assaltante. Durante uma fuga, seqüestra Júlia, a professora de psicologia interpretada por Maria Zilda. Ele a mantém como refém, mas como as horas no cativeiro são longas, não há TV nem boas leituras, seqüestrado e seqüestradora acabam dedicando-se mesmo ao sexo. Mais do que isso: desenvolvem uma paixão avassaladora um pelo outro. De olho no resultado, Maria Zilda não deixou de exercer seu controle nem mesmo depois de terminada a filmagem. A montagem foi supervisionada por ela em pessoa, de modo a tornar o longa-metragem ágil, flexível, do jeito que o espectador comum gosta e espera. "Depois de montado, mostrei o resultado ao José Antonio, e ele não só aprovou como gostou muito do que viu", afirma. Em todo caso, trata-se de uma situação nova no cinema nacional. De hábito, os cineastas preferem dominar cada uma das etapas de construção de um filme, do argumento ao desenvolvimento do roteiro, da escolha do elenco à da equipe técnica, passando pela filmagem e edição do material, quando não do lançamento e divulgação. Desde o começo, Zilda havia reservado para si o papel de Júlia. O problema era escolher quem seria Antonio, o engenheiro que cai na vida bandida. A princípio o nome era o de Marcelo Serrado, que leu o roteiro, aceitou o papel, e já estava decorando os diálogos. Nesse meio tempo, chamaram a atenção de Maria Zilda para um ator da minissérie A Muralha, Caco Ciocler. Zilda tira do bolsinho de trás uma explicação mística para a mudança de protagonista. Segundo ela, uma devota fanática de Saint Germain, teria tido um sonho em que o nome do ator de A Muralha aparecia. Acordou e perguntou a uma amiga quem era. Disseram-lhe para assistir à minissérie. Ela viu e ficou, na hora, convencida de que encontrara o ator ideal para o papel. Conversou com Caco, que, por sua vez, lhe disse ser também devoto de Saint Germain, e assim o ciclo se fechou. Maria Zilda desculpou-se com Serrado e acertou a vida com o parceiro de devoção. Com ele embarcou numa trip (ficcional, claro) que inclui cenas de ternura e outras que nenhum santo de boa reputação deveria testemunhar.

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