"Possessão" traz Gwyneth Paltrow

O filme desenvolve-se em dois tempos: o romance de Ash e Christabel no passado e a busca de Mitchell e Maud, que leva esses dois a refazerem o caminho dos outros - e a apaixonar-se

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Por Agencia Estado
Atualização:

Há um momento de Possessão em que o personagem de Aaron Eckhart diz que foi mau no passado, que machucou profundamente uma pessoa. A conversa não vai adiante, não possui função, digamos, dramatúrgica no relato. É só uma informação que o espectador talvez não retenha porque, no fundo, não é mesmo relevante. Mas pode-se pensar que se trata de uma autocrítica, mais do ator e do diretor do que propriamente do personagem. No primeiro filme que fez com o diretor Neil LaBute, Na Companhia de Homens, Eckhart era um dos yuppies que abusavam de uma deficiente auditiva. O filme era misógino e politicamente incorreto. La Bute estaria arrependido? Ele ri gostosamente numa conversa por telefone, de Los Angeles. Explica que não pensou nessa ponte entre o filme atual e o anterior, mas admite que é imaginativa. "Vou incorporá-la", promete. Depois, mais seriamente, admite que Possessão não é tão cruel quanto Na Companhia de Homens ou, mesmo, Enfermeira Betty, que lhe valeu o prêmio de melhor roteiro em Cannes, no ano 2000, pelo simples fato de que o material original não é dele. "É a adaptação de um romance premiado de A.S. Byatt; fiquei fascinado pelo livro, mas desta vez não podia ser só eu; tinha de ser fiel ao original, mesmo que eventualmente o traísse." E conclui: "A crueldade não faz parte do universo de A.S. Byatt: estaria traindo-a se carregasse mais nas tintas e não era essa a minha intenção." Mas ele garante que essa característica de sua personalidade permanece intacta no trabalho como dramaturgo. O que primeiro o atraiu no livro foi a sua pintura do meio acadêmico. LaBute foi bolsista no Royal Court Theater. Conheceu gente como o personagem de Tom Hollander, capaz de pisar em velhinhas na sua corrida carreirista pela celebridade. Usou as próprias lembranças de estrangeiro na Inglaterra para esculpir o personagem de Eckhart. Ele é americano e está pesquisando em Londres a vida do poeta Randolph Henry Ash, um poeta vitoriano famoso por seus poemas apaixonados - que a tradição define como tributos do escritor à sua mulher, pois ele teria sido totalmente monogâmico, o homem de uma mulher só. Por acaso, Mitchell descobre duas cartas que apontam numa direção inesperada: Ash poderia ter tido um caso com Christabel LaMotte, uma escritora nem um pouco conforme aos padrões do que teria sido a mulher sob o reinado de Vitória. Era avançada, sob múltiplos aspectos, lésbica e protofeminista. Mitchell busca, então, ajuda de uma pesquisadora especializada em Christabel. É a personagem de Gwyneth Paltrow. A partir daí, o filme desenvolve-se em dois tempos: o romance de Ash e Christabel no passado e a busca de Mitchell e Maud (a personagem de Gwyneth), que leva esses dois a refazerem o caminho dos outros - e a apaixonar-se, também, por mais que ambos sejam refratários, inicialmente, a essa idéia de compartilhar um grande amor. Parece que vai ser um grande filme romântico, mas não é. "Na verdade", explica LaBute, "o livro trata de questões que nunca deixaram de me interessar, como o sexo e suas implicações." Por meio desses dois casais, em duas épocas distintas, ele acredita que pôde fazer seu comentário sobre "as ligações particulares" (numa referência a Goethe). "O sexo envolve sempre uma disputa de poder, isso está na base de todas as relações que conheço; é interessante discutir o assunto e também como as pessoas conciliam ética, estética e sentimentos." Foi atraído também pelo suspense inusitado que está na base do relato. "Há um whodunit no passado que é preciso esclarecer", diz. Christabel é sua personagem preferida. "É quem mais ousa e o faz com serenidade, mesmo sabendo que isso vai ferir pessoas que são importantes para ela." Refere-se, principalmente, à mulher com quem Christabel vivia (e que não resiste ao golpe da separação, partindo para um gesto radical que deixa suas marcas em Christabel). Isso leva de novo à questão do começo: LaBute, dosando agora sua crueldade e trabalhando, como Christabel, de forma mais serena, estaria mais maduro, como homem e artista? Ele diz que não: "Não se trata de maturidade, é uma questão de dramaturgia, mesmo." Comenta o fato de Christabel trocar o homossexualismo pela relação com Ash. "Não se trata de fazer uma defesa da heterossexualidade como a via natural do homem. Isso é bobagem. Christabel se apaixona primeiro por uma mulher e, depois, por um homem. Não se trata de ousar, de experimentar. O sentimento é por pessoas, independentemente de sexo. Gay, hetero, qual é o significado disso? O importante é que as pessoas tenham uma sexualidade e possam ser felizes com ela. Possessão é o primeiro filme de época do diretor. Foi difícil fazê-lo? "Um pouco", esclarece La Bute, mas as dificuldades decorreram da sua disposição de tratar as cenas mais convencionais, de época, de uma maneira não convencional. Nesse sentido, acha que a contribuição do fotógrafo francês Jean Yves Escoffier e também as da figurinista Jenny Beaven e da desenhista de produção Luciana Arrighi foram valiosas. Mas não poupa elogios principalmente ao elenco: "Sabia que Jeremy Northam poderia fazer um Ash perfeito; é doce e é viril e isso é fundamental num personagem como Ash, que vivia uma vida sem amor e ousou fugir com Christabel, uma mulher que, na verdade, por seu comportamento avançado, tinha menos a perder." Pode não ser um grande, mas é um belo filme. Serviço - Possessão (Possession). Drama. Direção de Neil LaBute. EUA/2002. Duração: 102 minutos. 12 anos

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