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Polanski filma tributo a pianista polonês

Diretor de O Bebê de Rosemary e Chinatown roda O Pianista nos estúdios Babelsberg, que pretende ser o maior da Europa

Por Agencia Estado
Atualização:

Fevereiro, em Berlim. A produção de O Pianista reúne uma dúzia de jornalistas de todo o mundo, presentes ao festival de cinema que se realiza na capital alemã, e os leva aos estúdios Babelsberg. No dia seguinte, Roman Polanski inicia a rodagem de seu novo filme. O objetivo é mostrar os cenários construídos no estúdio que pretende ser o maior da Europa (maior que o lendário Cinecittà, na Itália). Polanski é gentil, mas não disfarça certo enfado. Cumpre o ritual da entrevista coletiva como um mal necessário. Lamenta que a forma como o cinema está formatado hoje lhe permita realizar apenas um filme a cada três, quatro anos. Parece-lhe muito tempo para investir num projeto. Ele fica superproporcionado, adquire uma importância extraordinária. Se não dá certo, o sentimento de frustração é enorme. Mas está otimista com relação a O Pianista. Há tempos queria fazer o filme sobre a experiência do pianista polonês de origem judaica Wladyslaw Szpilman sob o nazismo. Polanski sabe sobre o que fala. Ele próprio de origem judaica, conheceu sua estação no inferno, quando menino, no Gueto de Cracóvia. A mãe morreu num campo de concentração dos nazistas. Pode-se imaginar que venha daí a preocupação pelo tema do mal, que percorre e dá unidade à sua obra. A primeira pergunta, que se impõe, é: existe essa coisa, o mal absoluto? Diretores como M. Night Shyamalan tentam dar uma resposta algo simplicada para o problema, em filmes como Corpo Fechado, que faz sucesso nas locadoras. E a pergunta ressurge quando algum maluco comete assassinatos em série ou terroristas provocam o estupor mundial, como ocorreu com o recente ataque aos EUA. Pode ser que não exista esse mal absoluto, mas existem pulsões destrutivas, áreas sombrias que algumas pessoas não conseguem controlar. A obra de Polanski é atraída justamente por essa área de sombra. E ele não recua diante de assuntos como demonologia e vampirismo. Muitas vezes os críticos chegaram a evocar a vida do diretor para explicar essas preferências, não só os primeiros anos, marcados pelo nazismo, mas também as acusações de estupro e o assassinato de sua mulher, a atriz Sharon Tate, por Charles Manson e sua tribo de adoradores do Diabo. Vida e obra apresentam curiosas ressonâncias, uma (a primeira) interferindo, senão explicando, a outra. Os primeiros curtas, feitos na Polônia, são marcados pelo absurdo das situações e do humor: Os Anjos Caem do Céu, Dois Homens e um Armário e O Gordo e o Magro. O primeiro longa, A Faca na Água, de 1962, era engenhoso ao extremo, com sua história de um triângulo num barco. Foi o único longa do diretor na Polônia. Logo ele iniciou sua carreira internacional, fazendo filmes na Inglaterra, na França, nos EUA, na Itália. Onde situá-lo? Não deixa de ser uma primeira dificuldade. Clássicos - Suas obras-primas foram feitas no cinema americano: O Bebê de Rosemary, um clássico de terror do fim dos anos 60, e Chinatown, uma obra-prima noir dos 70. Jack Nicholson é o detetive que investiga um caso de adultério e descobre a incestuosa e dominadora personalidade de Noah Cross, o personagem que o diretor John Huston, na sua melhor participação como ator, torna tão perigoso na sua ambivalência, no segundo. O desequilíbrio já ronda a protagonista de Repulsa ao Sexo, interpretada por Catherine Deneuve e o filme desconcerta por tratar o drama de Carol como a meticulosa descrição de um caso clínico. O Inquilino volta a ingressar no mundo das mentes enfermas, A Morte e a Donzela trata da ligação doentia de uma torturada com seu torturador. Macbeth subverte de dentro as normas do teatro elizabethano, denunciando seu mau-gosto, mas o retrato de um homem covarde, arrastado ao crime pela mulher ambiciosa e que se redime por meio de uma morte com honra revela a perfeita compreensão do texto de Shakespeare. E há a suntuosidade cênica de Tess, que ele adaptou de Thomas Hardy, oferecendo a Nastassia Kinski um de seus mais belos papéis. Embora irregular, a obra de Polanski é fascinante no seu cosmopolitismo. Ele odiava a nouvelle vague. Disse que o movimento de renovação do cinema francês por volta de 1960 substituiu o profissionalismo pelo amadorismo. Lamenta que a produção de Hollywood privilegie o público infanto-juvenil. Acha que o cinema americano devia pensar mais no público adulto, mas não abre mão das condições técnico-artísticas que só cinemão pode lhe oferecer.

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