Pioneiro Humberto Mauro faz sucesso em DVD

Pacote de cinco filmes em preto-e-branco fez do diretor mineiro, chamado pai do cinema nacional, um dos campeões de venda em formato digital na rede 2001

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Por Agencia Estado
Atualização:

E não é que o velhinho ainda é o tal? Pioneiro do cinema brasileiro, reverenciado pelos mais importantes diretores do Cinema Novo, Humberto Mauro, que morreu em 5 de novembro de 1983, aos 86 anos, ainda é o chamado pai do cinema nacional. O homem que criou, no interior de Minas, o ciclo de Cataguases, estampando a brasilidade em filmes que até hoje impressionam os críticos e historiadores, gostava de comparar o cinema a uma cachoeira. E explicava, singelamente, que nunca encontrou uma pessoa que, tendo visto uma cachoeira, não quisesse filmá-la. Humberto Mauro é um dos campeões de vendas de DVDs da rede 2001, em São Paulo. Você pode achar que os números dessas vendas são modestos em relação aos blockbusters hollywoodianos, mas também há um filme nacional entre os dez DVDs mais vendidos pela 2001, não apenas em suas quatro lojas na cidade de São Paulo, mas no site www.2001video.com.br. Frederico (Fred) Botelho, sócio-proprietário (com Sônia e Augusto de Abreu) da rede 2001, que completa 20 anos agora em setembro, gosta de dizer que o site da sua empresa é hoje fonte de referência sobre o cinema brasileiro, para compradores e pesquisadores de todo o mundo. Ele envia os DVDs para qualquer lugar do planeta. Na segunda-feira mesmo, recebeu o e-mail de uma mulher da Dinamarca querendo comprar o DVD de O Invasor, de Beto Brant. Os DVDs de filmes americanos são os que mais vendem, mas entre os dez mais, logo após Matrix e Gladiador, campeões da 2001, e antes de Lawrence da Arábia e Senhor dos Anéis, está o brasileiro Auto da Compadecida, de Guel Arraes. Os grandes êxitos do cinema americano vendem mil unidades na rede, o Auto também já vendeu isso. Os cinco DVDs de Humberto Mauro venderam juntos, até agora, um terço disso. É um índice que Fred considera "surpreendentemente bom". Ele justifica: "Afinal, são filmes antigos, em preto-e-branco, todas essas coisas que fazem dos clássicos obras de respeito, mas de venda modesta em relação aos filmes atuais, em cores, com uma linguagem mais acelerada." Pelos dados da rede, ele consegue definir o perfil dos compradores: são professores, na maioria, interessados em incrementar suas classes ou estimular a discussão sobre as questões brasileiras, mas há também muitos jovens interessados em decifrar o mistério de Humberto Mauro. Há cinco DVDs de Humberto Mauro nas lojas, lançados pela Funarte (R$ 30 cada). O que vendeu mais, na 2001, até agora, foi Descobrimento do Brasil, que também é o de lançamento mais antigo. Já passou de uma centena de cópias vendidas. A Funarte colocou-o nas lojas em junho do ano passado. Os demais DVDs são todos mais recentes: Brasa Dormida, Canto da Saudade, Sangue Mineiro, Tesouro Perdido e o disco digital Humberto Mauro, que reúne os curtas A Velha a Fiar e Meus Oito Anos, entre outros. Esse último chegou à loja em junho, o que explica, no processo cumulativo, que tenha vendido menos do que o Descobrimento, há mais de um ano no acervo da 2001. Fred chama a atenção para o que define como "relativização dos números". "Não vamos criar a falsa ilusão de que os DVDs de Mauro são os maiores sucessos do mundo, mas eu acho que o interesse do público pela obra dele, uma obra que, afinal de contas, não está na mídia e parece, em princípio, destinada a atrair pouca gente, é um sinal de permanência." Em 1974, o patriarca da crítica cinematográfica brasileira, Paulo Emílio Salles Gomes, já havia percebido isso. Ao lançar o livro Humberto Mauro, Cataguases, Cinédia, logo na abertura, na primeira linha, Paulo Emílio confessa: "Não tinha idéia de que fosse preciso escrever tanto sobre Humberto Mauro." E é preciso mesmo. Documentários (de David Neves e Alex Viany), livros (o próximo será o de Sheila Swartzman, com sua tese de doutorado sobre o período do diretor no Ince, o Instituto Nacional de Cinema Educativo, que ajudou a fundar com Roquete Pinto, nos anos 1930), numerosos artigos, na imprensa especializada do País e do exterior, têm procurado discutir a importância de Humberto Mauro. Além de todos os filmes que fez - em Cataguases, na Cinédia, na Brasil Vita Filmes, no Ince, cada uma dessas fases compondo um capítulo fundamental da história da evolução do cinema no País -, Humberto Mauro foi ator em Memória de Helena, o delicado filme de David Neves com Rosa Maria Penna e Adriana Prieto, no fim dos anos 1960. Começou os 70 traduzindo para o tupi os diálogos de Como Era Gostoso o Meu Francês, de Nelson Pereira dos Santos, e repetiu a operação, no fim da mesma década, em Anchieta José do Brasil, de Paulo César Saraceni. Cada vez mais, fica claro que é impossível pensar numa expressão brasileira no cinema sem se referir à obra de Humberto Mauro. Filmes como Tesouro Perdido, Brasa Dormida e Sangue Mineiro, feitos entre 1927 e 29, não são brasileiros só nas imagens, como escreveu o crítico Hélio Nascimento: até nos textos que surgem entre as cenas aparece o espírito de poesia popular presente nas modinhas e serestas, que tanto fascinavam Humberto Mauro. No filme que realizou no Rio, em 1933 - Ganga Bruta, considerado sua obra-prima -, um homem mata a mulher na noite de núpcias e se refugia no interior do País para acompanhar a construção de uma fábrica. Ele se apaixona por uma garota da região, comprometida. Forma-se o triângulo, que resulta em violência e morte. Foi nesse filme que Mauro fez o encontro decisivo com o expressionismo alemão, que revestiu de um erotismo bem brasileiro. Ruggero Jacobi, o diretor italiano que veio para o Brasil participar das experiências do TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, e da Vera Cruz, sentenciou: só Erich Von Stroheim, em Hollywood, seria capaz de fazer algo comparável a Ganga Bruta. Não é pouco elogio.

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