PUBLICIDADE

Pintor, cineasta, Tiradentes premia retrato de artista

Longa 'Mais Que Eu Possa Me Reconhecer', de Allan Ribeiro, com Darel Valença Lins, vence a Mostra Aurora

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Como o repórter já prognosticara no sábado, Mais Que Eu Possa Me Reconhecer, de Allan Ribeiro, terminou vencendo o prêmio da crítica e foi eleito o melhor da Mostra Aurora deste ano. Principal vitrine da produção autoral independente brasileira, a Mostra de Tiradentes e, dentro dela, a Aurora, privilegia um tipo de filme em que a investigação de linguagem não deixa de andar de par com um tom mais íntimo, confessional. Allan Ribeiro traça o retrato do artista visual Darel Valença Lins. Quem é esse homem? Sob certos aspectos, ele nos escapa. O retrato é revelador pelo que oculta – as emoções do criador, transformado em criatura. Já o cineasta expõe um modelo muito interessante de cinema.

A Mostra de Tiradentes premiou também O Dia do Galo, de Cris Azzi e Luiz Felipe Fernandes, exibido na praça, como melhor filme pelo voto popular. É a grande divisão de Tiradentes. Na Tenda, o cinema de autor. Na praça, o popular. O Dia do Galo teve a sessão mais ruidosa de todo o evento. O filme é sobre o jogo do Atlético contra o Olímpia, válido pela Taça Libertadores, que o time mineiro precisava vencer por três gols. Os diretores veem o filme pelo ângulo dos torcedores – um locutor esportivo, um padre, uma idosa, suas netas, o funcionário de um telemarketing, o atendente de um bar etc. Quase não se vê o gramado. Tudo se passa no olhar do público.

Premiação. Vencedores da 18ª edição da Mostra de Tiradentes Foto: LEO LARA/UNIVERSO PRODUÇÃO

PUBLICIDADE

O filme, com certeza, atingiu seu ideal de celebração. O público vibrava a cada gol, como se a partida estivesse sendo disputada em tempo real. O grito de ‘Galo!’ ecoou repetidas vezes na praça central de Tiradentes. Talvez, como já escreveu o repórter em seu blog, seja preciso gostar mais de cinema que de futebol, mas foi uma sessão das mais emocionantes. O filme é muito eficaz, para se utilizar uma expressão muitas vezes rejeitada na Aurora. A eficiência é um conceito muitas vezes – sempre? – associado ao ‘mercado’ e, na Aurora, ele tende a ser visto como inimigo da ‘autoria’.

O diretor preocupado em satisfazer o público termina por fazer concessões. Não necessariamente. No debate sobre o lugar da política no cinema, um autor radical, Luiz Rosemberg Filho, disse que não é contra o espetáculo, mas citou os autores que fazem o tipo de espetáculo que lhe interessa – Luchino Visconti, Pier-Paolo Pasolini. Grande Rosemberg. Autor de uma trilogia de longas que fez história – Jardim das Espumas, Assuntina das Américas, Crônica de Um Industrial –, ele se bateu com a censura e o mercado para fazer o cinema de autor que lhe interessava. Longe de se recolher ao silêncio face à adversidade – a censura, em suas múltiplas formas –, ele nunca deixou de filmar, fazendo filmes-colagens que se encontram no YouTube (alguns).

Com produção de Cavi Borges, volta ao longa (ao mercado?) com Dois Casamentos, exibido no sábado. Por menos concessões que faça, e não faz nenhuma, é um filme que aspira chegar às salas. Rosemberg disse uma coisa interessante. Para ele, a dificuldade de abordar o tema política, no cinema brasileiro atual, se deve a uma preocupação muito grande em se fazer entender a qualquer preço, esvaziando as questões. Ele não descarta somente a TV, como emburrecedora do público, nem os blockbusters de comédia. Põe no mesmo saco filmes de intensa repercussão, como Tropa de Elite 1 e 2. “Faço política sem ficar falando dela. Nos meus filmes, tento atingir a política através da sensibilidade”, disse.

Allan, o vencedor, não deixa de buscar essa política da sensibilidade. Seu filme segue a vertente de Dias com Ele, de Maria Clara Escobar, um dos mais belos de toda a história da Aurora, sobre a ligação da autora com seu pai, o filósofo Carlos Henrique Escobar. Ribeiro aproximou-se de Darel há cinco anos, mas, como disse, para o artista ele não passava de um técnico, não chegava a se constituir num interlocutor. Darel faz vídeos domésticos, autorais, sem acreditar no cinema. Fala com aparente frieza do suicídio do filho. É um monstro ou está fingindo não sentir a dor que o consome? Ele próprio define a solidão como seu tema. Pode ser a morte. Darel mostra uma fotografia em que aparece com grandes artistas. “Todos já foram, só resta eu”, e ri. Mais Que Eu Possa Me Reconhecer, com toda a programação da Aurora e demais vencedores de Tiradentes, estará no Sesc Consolação, no período de 17 a 23 de março. A programação vai incluir debates e oficinas. Promete ser um acontecimento, e tanto.

VENCEDORES

Publicidade

Mais Que Eu Possa Me Reconhecer

O título sai de uma música de Sueli Costa cantada por Nana Caymmi, mas o diretor Allan Ribeiro não esclarece. Seu longa com o pintor Darel Valença Lins venceu o prêmio da crítica como melhor filme da Mostra Aurora.

O Dia do Galo

País do futebol, o Brasil não tem a tradição de grandes filmes sobre o esporte. Cris Azziz e Luis Felipe Fernandes seguem uma vertente de filmes sobre Grêmio e Inter, de Porto Alegre, e que transforma partidas decisivas em jornadas épicas. No caso, o jogo entre Atlético e Olímpia, válido pela Libertadores. Exibido na praça, venceu o prêmio do público.

O Tempo não Existe no Lugar em Que Estamos

De Dellani Lima, venceu o prêmio do júri jovem.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.