Philippe Garrel assina o belo filme 'O Ciúme'

Longa é protagonizado por seu filho Louis

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Quem viu o recente Garota Exemplar, de David Fincher, terá um prazer suplementar assistindo a O Ciúme, o longa do francês Philippe Garrel que estreou quinta-feira nos cinemas brasileiros. Com mais da metade do circuito exibidor do País concentrada em apenas um lançamento - as versões dublada e com legendas de Jogos Vorazes: A Esperança - Parte 1 -, o cinéfilo não tem muitas alternativas, e a melhor delas é justamente o novo Garrel, interpretado pelo filho do diretor, Louis, e pela esplendorosa Anna Mouglalis, que foi a Chanel de Jan Kounen. A possível conexão entre Garrel e Fincher, entre O Ciúme e Garota Exemplar, é que ambos tratam do casal moderno.

Fincher foi acusado de ser misógino por críticos desconcertados pela visão do casamento de Garota Exemplar. Rosamund Pike, num papel para Oscar, faz a garota talhada para ser celebridade pelos próprios pais, que a transformam, ainda menina, em protagonista de uma série de livros. Adulta, e competitiva, ela não tem estrutura para enfrentar os problemas decorrentes de uma relação afetiva adulta. E arranja uma maneira sinistra de domar/dominar o marido. O Ciúme trata de um casal bem mais comum. Amam-se, mas ela não está muito satisfeita - não exatamente com a relação, mas com o mundo em que vive com o amante. Surge um outro que lhe acena com o estilo de vida que ela acha que merece. E o que faz Anna? No filme, ela se chama Claudia, Louis Garrel é Louis e a ex-mulher dele é Clotilde (Rebecca Covenant). Um quarto vértice da relação é a filha do casal, Charlotte (Olga Mishtein), que trafega entre as casas de papai e mamãe e testemunha os dilaceramentos dos dois.

Louis Garrel. Com Anna Mouglalis, que foi Coco Chanel no longa de Jan Kounen Foto: Divulgação

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É curioso como os críticos que chamaram Fincher de misógino não tiveram a mesma reação diante da praticidade de Anna Mouglalis no longa - bem curto, menos de 100 min - de Philippe Garrel. Suntuosamente fotografado em preto e branco por Willy Kurant, O Ciúme reabre a vertente do cinema autobiográfico (psicanalítico?) do autor. Filho de cineasta - Maurice Garrel -, Philippe era menino quando o pai saiu de casa para viver uma relação intensa com uma mulher mais jovem. Philippe agora se vale de uma menina para expressar sentimentos confusos que eram seus, na época. Charlotte testemunha o desmoronamento da união dos pais, o sofrimento da mãe e faz as perguntas que o pequeno Philippe talvez tenha calado.

Tem havido muita discussão sobre O Ciúme, desde que o filme concorreu em Veneza no ano passado. Louis, no filme, abandona a mulher e é, por sua vez, descartado pela outra, que é atriz - sua colega de teatro - e que não encontra na ligação o que procura. E o que é isso que as pessoas procuram? Philippe Garrel tem feito filmes sobre relações. Como ele gosta de dizer, a comunicação entre homens e mulheres - entre amantes - é uma coisa complicada. Não se trata de estabelecer juízos de valores. Quem está certo ou errado, quem é do bem ou do mal, porque a função da arte não é essa, segundo o autor. O cinema deve questionar, iluminar, não reduzir.

Mesmo tendo-se iniciado na direção bem depois da nouvelle vague, Philippe Garrel costuma ser definido como tributário - ou herdeiro - do movimento que irrompeu no cinema francês no final dos anos 1950. Ele seria uma síntese das influências de Jean-Luc Godard e François Truffaut. Do primeiro, teria herdado o gosto pela experimentação da linguagem. Do segundo, a dimensão autobiográfica da discussão sobre o amor, como tema motor de sua obra. Mas Philippe gosta de acrescentar que deve muito a Robert Bresson (o despojamento formal) e, no caso de O Ciúme, a Maurice Pialat. De alguma forma, e na fotografia de Kurant, seu filme tenta recuperar a crueza de A Nos Amours, substituindo a cor pelo preto e branco. O Ciúme foi produzido em relativamente pouco tempo, mas o roteiro, Philippe Garrel já disse em sucessivas entrevistas - desde Veneza - lhe tomou bastante tempo, mais de seis meses. O conceito geral ficou pronto em torno de três meses. Os outros três foram dedicados ao acréscimo dos toques que, segundo o autor, personalizam a obra.

Desde a escrita, Garrel dividiu-o em duas partes - Conservo os Anjos e Faíscas num Barril de Pólvora. O título da primeira foi uma frase dita por um professor que foi muito importante em sua vida, quando frequentava o Lycée Montaigne. O professor era ateu e é em sua homenagem que Louis, o filho, visita o homem velho no fim. Philippe nunca se esqueceu do velho mestre, a quem reencontrou adulto - e perguntou. ‘Ainda não acredita em Deus?’ Sim, mas conservo os anjos, foi sua resposta misteriosa, que acompanha o diretor. Quanto às faíscas no barril de pólvora, são decorrência das tensões inerentes à diferença de gêneros nos relacionamentos. Por falar em gêneros, é bom lembrar que Louis segue em cartaz como o amante gay do Saint Laurent de Bertrand Bonello. O CIÚMETítulo original: La Jalousie.Direção: Philippe Garrel.Gênero: Drama (França/2014,77 min.). Classificação: 12 anos. 

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