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Petra Costa acirra o debate contra machismo com vídeo viral e o filme ‘Olmo e a Gaivota’

Diretora Petra reflete que o corpo é um lugar de política. No filme, ao descobrir que está grávida, a personagem é dispensada da montagem e o aborto entra em discussão

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Bela, talentosa e com contatos fortes – apadrinhada por Tim Robbins e Lars Von Trier. Ou você pensa que é pouca coisa montar seu filme na Zentrope do criador do Dogma? Petra Costa já conquistou tudo isso em sua breve carreira. Dois longas, Elena, sobre a irmã que morreu, e agora Olmo e a Gaivota. O primeiro talvez tenha sido superestimado, o segundo possui outro fôlego. Ganhou o prêmio de melhor documentário do júri no Festival do Rio e estreou quinta-feira, 5, nos cinemas, depois de passar na Mostra, quando Petra e o ator Serge Nikolai conversaram com o repórter no lobby do Itaú Augusta. Havia um monte de celebridades na sessão do filme. Petra tem esse dom de atrair os ‘notáveis’. Tem gente (críticos) que não perdoa. Ao invés de artista, murmuram de dentes cerrados que é ‘marqueteira’.

É artista, e talvez seja marqueteira, o que, na civilização da imagem, para quem trabalha com cinema, não é ruim, em si. Petra tem provocado grande agito nas redes sociais. Ao agradecer seu prêmio no Festival do Rio, já defendera o direito da mulher sobre o próprio corpo e atacara o machismo, engajando-se à luta para que as mulheres, sejam a presidente, a doméstica ou a cineasta, não sofressem agressões verbais e físicas. A presidente é, claro, Dilma Rousseff, que virou saco de pancada da oposição e até de alguns aliados ‘muy amigos’. A cineasta talvez seja Anna Muylaert, agredida verbalmente por colegas diretores durante um debate no Recife. A doméstica – seria difícil levantar a folha dos abusos que milhares (só?) de brasileiras sofrem pelo País.

Diretora Petra Costa Foto: jorge_bispo | DIV

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Essa semana, um vídeo de Petra sobre aborto provocou o maior tititi nas redes sociais. Cinco milhões de acessos. O aborto está no centro de Olmo e a Gaivota. O filme é um documentário, e como tal foi premiado, mas nas bordas da ficção. Petra conta como tudo começou – “Todo ano tem um festival de documentários na Dinamarca que convida dez diretores dinamarqueses para fazerem filmes com dez diretores estrangeiros. O convite era para que Lea Glob e eu trabalhássemos juntas. Tivemos uma semana para desenvolver um projeto. Pensamos num filme sobre um dia na vida de uma mulher. Nada de extraordinário lhe acontece, exceto na imaginação, que é cheia de sonhos e desejos. Pensamos na Olivia Corsini, que eu acabara de conhecer e é atriz do Théâtre du Soleil. Ela adorou a ideia, mas disse que estava grávida. O filme sobre um dia virou um projeto sobre nove meses.”

E é claro que passou a ser encenado. “Tivemos de voltar à descoberta da gravidez, à forma como isso interferiu na montagem de A Gaivota, que ela ia fazer.” Serge Nikolai, marido de Olivia e também ator do Théâtre du Soleil – o Macbeth na montagem de Ariane Mnouchkine –, está presente e conta o que foi mais difícil. “Como ator, a gente vive usando máscaras e aqui a questão era deixar cair a máscara, para que surgissem as pessoas. Nosso corpo é instrumento de trabalho, mas fazer as cenas de sexo foi muito mais difícil que pensávamos. Encenar as brigas. Voltamos às máscaras, não houve jeito.”

Petra reflete que o corpo é um lugar de política. No filme, ao descobrir que está grávida, Olivia é dispensada da montagem. O aborto entra em discussão. “Existe um discurso milenar que santifica o corpo da mulher, com base no mito da Virgem Maria. É um discurso machista. A santificação é falsa. Só um filme ousou abordar o assunto na contramão, e é um filme de terror, O Bebê de Rosemary, de Roman Polanski. Veja que o homem pode abdicar da paternidade impunemente. Muitos não assumem os filhos, vão embora e pronto. Já a mulher é apedrejada, se faz isso. Como não se abordam essas questões?”

Olmo e a Gaivota nasceu desse desejo. A equipe era internacional. Codiretora dinamarquesa, atriz italiana, ator francês. O idioma no set era o inglês. O ator Tim Robbins, que amou Elena e virou produtor executivo do filme para seu lançamento nos EUA, associou-se a Olmo, até por sua ligação com o Théâtre du Soleil. E Lea (Glob) agregou a Zentrope. Petra conta que montou o filme na empresa de Lars Von Trier, à sombra da foto do diretor nu, seu cartão de visitas no hall de entrada e nos cartões de Natal. A morte em Elena, a vida em Olmo (e vice-versa). O tema do aborto e a fala de Petra no Rio provocaram reações na internet. Choveram agressões na página do filme. “Se não quer ter filho, fecha as pernas.” Como reação, diversos artistas se uniram no vídeo Meu Corpo, Minhas Regras, que denuncia a falta de voz das mulheres – no cinema e no que diz respeito ao próprio corpo. O assunto anda fervendo na rede. E Petra promete agitar mais. O próximo filme será sobre mulheres na Primavera Árabe no Egito.

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