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Peter Greenaway vem filmar em SP

Em entrevista à Agência Estado o cineasta fala sobre Oito Mulheres e Meia, que foi exibido em Cannes e estréia aqui na sexta, e diz que vem filmar em SP o ano que vem

Por Agencia Estado
Atualização:

Já se passaram dois anos desde que Oito Mulheres e Meia, que estréia na sexta-feira na cidade, foi exibido no Festival de Cannes. No ano anterior (1998), Peter Greenaway veio ao Brasil montar a ópera Cem Objetos para Representar o Mundo. Os críticos caíram matando. Com Greenaway é sempre assim. Ele polariza opiniões. Ame-o ou deixe-o. "Pelo menos não deixo ninguém indiferente", ele diz. Em Cannes, em 1999, Greenaway anunciava um grande projeto - The Tulse Luper Suitcase. Esta semana, depois de algumas tentativas em Londres, o repórter consegue localizá-lo em Amsterdã, para uma entrevista por telefone. O repórter pergunta por esse grande projeto. "Qual?", ele responde com outra interrogação. "O que envolve cinema, livro, Internet..." Há ironia na voz de Greenaway: nos últimos dois anos, ele esteve envolvido em oito grandes projetos, dos quais o de The Tulse Luper Suitcase é um. Não apenas um, é verdade. Talvez seja o mais ambicioso. E vai ser o projeto que trará Greenaway de volta ao Brasil. Ele vem filmar em São Paulo no ano que vem. O filme começou a ser rodado no ano passado. Parou por falta de dinheiro. "É um projeto muito caro", ele diz. Afinal, são três filmes, uma grande biblioteca (e não apenas um livro), o que o levou a adotar o formato do CD-ROM, atualização constante na Internet, para fazer a interação rede-cinema. Greenaway já dispõe de dinheiro para retomar a produção. Recomeça a filmar em setembro no Colorado, nos EUA. A idéia é estar em São Paulo em maio. No começo do próximo ano, uma equipe desembarca no País para fazer a pré-produção. Greenaway anuncia que vai filmar na capital. "Umas duas semanas, ao menos." Arquiteturas, paisagens. São os temas de vários dos seus projetos recentes. Ele fez a curadoria de uma exposição de artistas multimídia na bienal de Valência, expôs os próprios quadros e instalações na Europa do Norte, mas está mesmo absorvido é por The Tulse Luper Suitcase. Não se furta a conversar sobre Oito Mulheres e Meia. Há tempos Greenaway anuncia que o cinema está morrendo ou já morreu. Com alguma ironia pode-se dizer que o dele morreu. Embora chato, continua provocativo. Não pode ser ignorado. Quem tem familiaridade com o universo sofisticado de Greenaway sabe que o cineasta inglês ama os números. Já estão no próprio título de Oito Mulheres e Meia. A referência, claro, é ao clássico de Federico Fellini, Oito e Meio. Greenaway acha que Fellini, mais que qualquer outro diretor, conseguiu expressar na tela as fantasias sexuais masculinas. Era natural que se voltasse para ele ao dar a sua versão do assunto. Oito Mulheres e Meia trata de um filho que assume o encargo de promover a renovação da vida afetiva e sexual do pai viúvo. Subversão - O personagem de John Standing ressente-se da morte da mulher. O filho enche de mulheres (européias, asiáticas) o castelo da família em Genebra. O castelo lembra o de O Ano Passado em Marienbad, de Alain Resnais. Greenaway concorda, claro. "Todos os meus filmes devem algo a Marienbad; é um dos maiores filmes já feitos." Também não poupa elogios à imaginação visual de Fellini, que considera o mais imaginativo dos diretores de toda a história do cinema europeu. E é isto que lhe interessa. Romper as amarras narrativas do cinema, propor ao público vôos de imaginação, ampliar ao máximo as possibilidades da linguagem, amparada nas modernas tecnologias. Ele acha divertido subverter o que chama de dramaturgia tradicional. O cinema contou muitas histórias de pais que estimulam o desenvolvimento sexual dos filhos. Por que inverter esse esquema tradicional? "Porque hoje os homens de meia-idade estão aprendendo muito com filhos e netos", ele diz. "Uma criança de 3 anos domina a linguagem dos computadores melhor que muitos adultos; por que não aplicar este conceito ao sexo?" Da mesma forma o fascina a oposição entre a cultura tradicional e a vertigem tecnológica do Japão contemporâneo. É atraído pela arquitetura pós-moderna das casas de jogos, os chamados salões pachinko, onde as mulheres muitas vezes pagam suas dívidas com sexo. Misturando tudo, criou a história de pai e filho que transformam a casa num bordel cheio de japonesas insinuantes. O problema é que Greenaway nunca foi mais pedante. Suas piadas sobre genitália ficaram aborrecidas. Além das referências a Fellini há outras a Mondrian. Ele cria planos inspirados no artista e chega a fazer um comentário. A arte de Mondrian é tão cerebral que, para humanizá-lo, é preciso dizer que era um grande dançarino de tango. Ri quando o repórter pergunta: e para humanizar Greenaway, deve-se dizer que ele dança o quê? Não acha que seu cinema esteja ficando cada vez mais estéril. Mas cai numa simplificação maniqueísta, um tanto barata: diz que só é estéril para quem se acostumou a ver filmes pela ótica de Hollywood. E não adianta dizer que não é verdade. Há poucos cineastas "narrativos" que o interessam: David Cronenberg, David Lynch. Concorda que o futuro do cinema é digital, mas acha o Dogma aborrecido. Diz que o cinema narrativo - e toda a teoria do francês André Bazin - deve demais à literatura, ao teatro, à própria pintura. Para ele, cinema é montagem. O repórter observa: para Stanley Kubrick, também. Greenaway acha que não é um bom exemplo. Diz que a dramaturgia de Kubrick é convencional. Até 2001? "Ele finge que está revolucionando a linguagem, mas é só um contador de histórias e, para isso, a literatura é preferível." Pode-se não concordar com Greenaway e seu cinema. Mas conversar com ele, ver seus filmes é fundamental. Greenaway força o público e os críticos a pensar, até quando se quer ser contra ele. "Cinema não é diversão, é linguagem e reflexão", ele insiste.

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