Peça de Fassbinder inspira filme de Ozon

Gotas d´Água em Pedras Escaldantes, que a Mostra de SP exibe sexta, sábado e segunda, discute os problemas de um casal e os desafios da vida em comum

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Por Agencia Estado
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Há alguns anos François Ozon pensou em escrever um filme sobre os problemas do casal contemporâneo. O roteiro não andava. Já à beira de um ataque de nervos, ele se lembrou de uma peça que o alemão Rainer Werner Fassbinder escreveu quando tinha apenas 19 anos - Gotas d´Água em Pedras Escaldantes tinha tudo o que ele queria dizer sobre a crise do casal. Ozon fez o filme que está na Mostra. Você não pode deixar de ver Gotas d´Água, principalmente se for daqueles que colocam Fassbinder no panteão dos grandes diretores do cinema. É o mais fassbinderiano dos filmes que Fassbinder não realizou. Ozon ri da observação, durante a entrevista feita por telefone, de Paris. Mas ele a leva a sério. E acha, o que efetivamente é, um cumprimento. Em seu primeiro filme, Sitcom, ele já havia falado sobre os problemas da família. Fez depois Les Amants Criminels, antes de chegar a Gotas d´Água. Explica o que o atraiu tanto na peça de Fassbinder. "Ele tinha apenas 19 anos e, no entanto, já tinha uma visão completamente madura sobre as dificuldades do relacionamento sexual e afetivo." Acrescenta que a peça possui os gérmens de toda a produção posterior do diretor e dramaturgo alemão. Como e por que um jovem de 33 anos preocupa-se com a crise do casal? Qual é a sua vivência para tratar do assunto? "Em primeiro lugar, tenho 32 anos", corrige Ozon. E acrescenta que pode parecer pouco, mas já tem experiência suficiente para falar sobre o assunto numa perspectiva pessoal. "As relações estão cada vez mais difíceis", diz. "Não falo do sexo, falo do desafio da vida em comum, de compartilhar um projeto." Para fazer compreender sua admiração por Fassbinder, diz que é um caso raro na produção européia contemporânea - um autor que consegue pensar o país por meio de seus filmes. Acha que talvez somente Pier-Paolo Pasolini tenha feito isso na Itália. Na França, não identifica nenhum caso parecido. Vê a Alemanha refletida na produção de Fassbinder e não apenas na trologia que começou com O Casamento de Maria Braun, sobre a corrupção do pós-guerra. Para ser fiel a Fassbinder, ele radicalizou. Fez algumas mudanças - o personagem de Bernard Giraudeau tem 35 anos na peça, no filme a idade mudou para 50 anos, mas manteve integralmente os diálogos. A opção de Ozon é pelo teatro filmado. Não existe uma cena externa. "Você não incorre no artifício de criar cenas de rua só para arear a peça", observa o repórter. "Seria falso, como são falsos quase todos os filmes que usam o expediente", rebate o diretor. Seu filme se constrói em interiores, de forma quase claustrofóbica, para ressaltar o tema fassbinderiano. Um jovem e sua namorada se envolvem com um empresário que termina por destruir a ambos. "Fassbinder sempre foi considerado uma ameaça para o mundo burguês", diz Ozon. "Ele realmente odiava a burguesia, com seu materialismo e valores deturpados." Diz que o personagem de Leopold (Giraudeau) tem essa má consciência que tanto irritava o autor alemão. O novo filme de Ozon já está pronto. Chama-se Sous le Sable. Outro filme sobre o casal moderno, interpretado por Charlotte Rampling. Por que ela, atriz de Porteiro da Noite, de Liliana Cavani? "Porque eu precisava de uma mulher de 50 anos que fosse bonita e sexy; não conheço nenhuma mais bonita do que Charlotte", resume o diretor.

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