Patrice Chéreau revisita Cannes e Berlim

Diretor de Rainha Margot será o presidente de júri do festival francês e disputará o Urso de Ouro da mostra alemã. Em entrevista ao Estado, ele fala de sua carreira e comenta suas obras mais recentes, como o polêmico Intimidade

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Por Agencia Estado
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No Festival de Cannes de 1994, ele foi o vencedor do prêmio do júri por sua brutal releitura do massacre de católicos contra protestantes huguenotes na sanguinária Noite de São Bartolomeu de 1572, no filme A Rainha Margot. Em Berlim 2001, com o denso drama erótico Intimidade (Intimacy), sobre encontros sexuais de um casal de ingleses que mal se conhece, ele conquistou o Urso de Ouro, a honraria máxima do festival. Agora, o cineasta francês Patrice Chéreau, de 58 anos, revisita os dois eventos cinematográficos mais importantes do mundo com tarefas bem distintas. Seu novo longa, Son Frère, drama sobre dois irmãos que não se vêem há dez anos e encerram o antagônico hiato dessa relação quando um deles está com uma doença incurável, está na competição oficial de Berlim, que também inclui os últimos trabalhos de Claude Chabrol, Spike Lee, Steven Soderbergh e Zhang Yimou, entre outros. A sessão de Son Frère, com os atores Eric Caravaca e Bruno Todeschini, será na terça. Em 14 de maio, Chéreau assume o posto de presidente do júri do Festival de Cannes, na condição de escolher o vencedor da Palma de Ouro. Para esse cineasta, a presidência do júri de Cannes "permitirá estar no coração da memória viva do cinema e também em contato com várias formas de cinema". Gilles Jacob, diretor de Cannes, anunciou o nome de Chéreau no começo deste ano, lembrando que o trabalho do cineasta, "tem sido sempre acompanhado por uma reflexão da natureza da arte". Em entrevista ao jornal Estado, Chéreau discorreu sobre seu penúltimo filme, Intimidade, ainda inédito nos cinemas brasileiros. Nos EUA, essa estréia do diretor num filme falado em inglês não provocou o mesmo escândalo experimentado na Inglaterra há dois anos, apesar da natureza crua de algumas cenas de sexo do filme. Adaptado da junção do livro homônimo mais um conto do escritor inglês Hanif Kureishi (de Minha Adorável Lavanderia e O Buda do Subúrbio), Intimidade acompanha a história de um casal (a neozelandesa Kerry Fox e o inglês Mark Rylance) que se encontra às quarta-feiras num apartamento-alcova em Londres. Apesar de apenas se permitirem um mínimo de diálogo e de não revelarem o próprio nome para o outro, os encontros entre esses dois estranhos são marcados por feroz ato sexual. O filme não faz parte da safra de títulos franceses inaugurada em 99 e que tem cenas de sexo consideradas por alguns críticos como pornográficas - entre essas produções estão Romance e Fat Girl, de Catherine Breillat; Baise-Moi, da dupla Coralie Trinh Thi e Virginie Despentes; e Pola X, de Léos Carax. "Não posso ser enquadrado nessa tendência de sexo explícito do cinema europeu", explica Chéreau. "O meu interesse em Intimidade era captar a combustão erótica de dois personagens que não se conhecem e cuja comunicação é feita pelo diálogo corporal", continua. "Minha intenção era apenas mostrar como é bonito uma pessoa oferecer a outra ternura e amor de uma maneira tão passional." O debate causado pelos filmes citados continua com as estréias de Irreversível, do cineasta francês Gaspar Noé, lançado sexta nos cinemas ingleses e que coloca a italiana Monica Belucci numa cena de estupro, e do filme gay português O Fantasma, de João Pedro Rodrigues, atualmente um cult no circuito alternativo de Nova York. A onda também promete chegar a esse lado do Atlântico. Desafiando Hollywood e arriscando seu futuro depois do sucesso do musical Hedwig - Rock, Amor e Traição, o diretor nova-iorquino John Cameron Mitchell está preparando o segundo filme que promete ter cenas de sexo explícito. Batizado provisoriamente de The Sex Film Project, o longa está em processo de seleção de atores. Os interessados têm até o dia 15 para mandar suas fitas-teste. Mais detalhes estão no site www.thesexfilmproject.com. Ao selecionar os excelentes atores Kerry Fox (a neozelandesa de Um Anjo em Minha Mesa e Cova Rasa), que venceu o prêmio de interpretação feminina em Berlim, e o inglês Mark Rylance (também diretor-artístico do teatro Shakespeare Globe, em que freqüentemente atua), Chéreau iniciou processo de ensaio. Assim como o inglês Mike Leigh, que atinge um extraordinário resultado orgânico de seus protagonistas após várias semanas de preparação, Chéreau também é conhecido por sua grande direção de atores. "Mesmo as cenas de sexo em meu filme foram bastante discutidas e analisadas", explica. "Só incentivava a improvisação após a conquista do take que considerava perfeito." Apesar de não querer se enquadrar numa proposta recente de cinema, Chéreau acredita que seus atores atingiram um certo limite com as cenas de sexo em Intimidade. "Mas em nenhum momento eles me disseram: ´não vou fazer isso´", revela. "Quando comecei a selecionar o elenco, muito antes de Kerry e Mark, alguns atores famosos recusaram o papel; e entendo: eu mesmo nunca aceitaria fazer um filme assim", diz Chéreau, que já foi ator em filmes como Danton, o Processo da Revolução, de Andrezj Wajda, e a produção hollywoodiana O Último dos Moicanos, de Michael Mann. Das filmagens às primeiras exibições privadas de Intimidade, Chéreau revela ter ficado intrigado em ver como as mulheres e os homens responderam diferentemente diante das seqüências de sexo. Numa polêmica cena vista por muitos como quase um estupro, a resposta dos atores em cena marcou Chéreau. "Kerry ficou muita incomodada naquele dia e fiz de tudo para não ferir os sentimentos dela", explica. "Já, para Mark, a essência daquela cena era normal. Era como se ele estivesse fazendo um sexo urgente, mas sem nenhum caráter de violência", prossegue. "Quando Hanif viu o filme pronto, ele me disse: ´Mas cadê essa tal cena de estupro que estavam comentando?´" Como foi um lançamento pequeno, restrito ao circuito de arte, Intimidade não teve maiores problemas com a censura americana. Na verdade, Chéreau já estava pronto para cortar o filme para sua estréia nos EUA, mesmo que, em Paris, sua classificação tenha mantido os menores de 12 anos longe dos cinemas. "Já tive grandes problemas por aqui no passado." Em 1994, quando o estúdio Miramax preparava o lançamento de Rainha Margot nos EUA, Harvey Weinstein (co-presidente do estúdio) pediu inúmeros cortes ao cineasta. "Harvey é notoriamente conhecido por ser um homem durão: quando quer cortar algum filme, ele corta, pois tem os direitos muito bem especificados nos contratos", explica Chéreau. "Eu cortava dois minutos e ele pedia mais, pois acreditava que o filme ainda era apropriado para o paladar americano", continua. "No final, para meu desespero, o filme estava com 20 minutos a menos, mas Harvey estava satisfeito." E prossegue: "Quando finalmente lançado em NY, a maioria das críticas do dia já deixava claro no primeiro parágrafo: ´Esse filme é sanguinolento demais!´ Devia ter cortado apenas seis segundos. Fui ingênuo." Chéreau, que divide seu tempo também com produções teatrais e direção de óperas, está desenvolvendo um roteiro sobre a vida de Napoleão Bonaparte, a ser interpretado por Al Pacino. Sobre a possibilidade de dirigir um ator americano que costuma se perder dentro dos personagens, Chéreau é categórico: "Não tenho medo de trabalhar com bons atores. Sou mais pretensioso do que pareço. Acho que os bons atores nasceram para que eu possa dirigi-los."

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